sábado, 19 de agosto de 2017



O Conformismo da Opinião Pública Diante das Instituições Políticas

por Dennis de Oliveira Santos   

Por que a população brasileira não se mobiliza (como no período Dilma) contra o governo Temer? O que fez cessar os panelaços e as passeatas em verde amarelo contra um chefe de Estado que possui sérias evidências de corrupção, retração de programas sociais e que não consegue resolver a crise econômica que o país está envolvido?

Na Europa e nos Estados Unidos o processo de não existir grandes mobilizações populares contra governantes privatistas de espaços públicos também possui características semelhantes. Nos dois eixos políticos o que se observa é uma retórica de condenação aos excluídos (fechamento das fronteiras para coibir a entrada de imigrantes), desmonte de acordos internacionais para a integração entre os países (caso do Brexit na União Europeia) e desmonte das políticas públicas do Estado de Bem-Estar Social (a tentativa de Trump de acabar com o sistema público de saúde estadunidense).

Para além dos contornos regionais que influenciam nesse processo, no caso do Brasil, o sentimento da classe média de não pertencimento ao grupo dos explorados e sua falaciosa/seletiva retórica de combate a corrupção, existe globalmente uma cosmovisão social que impede os indivíduos de se enxergarem como potenciais atores coletivos de transformações fundamentais no meio em que vivem. Essa concepção está alicerçada no individualismo exacerbado construída em tempos de recessão econômica neoliberais, a qual impede o homem de se colocar como portador de direitos e sujeito capaz de concretizar mudanças sociais.
               
A concepção do Estado mínimo (GENTILI, 1995) não apenas enfraqueceu o poder de governança no combate às desigualdades sociais, mas também corroeu a atuação nos espaços públicos. Isso porque a superespecialização nas relações do trabalho advindas do taylorismo e da flexibilização (SENNETT, 1988) individualizou tanto a mentalidade dos trabalhadores, que os mesmos só conseguem pensar em atividades ou projetos a curto prazo.  A responsabilidade com o futuro, os grandes projetos para o destino da nação ou as percepções ideológicas para a reconstrução da ordem social são temáticas desprovidas de interesse ou sentido para quem só está preocupado com o aqui e agora e se o mesmo vai se manter no mercado de trabalho.
               
Isso se reflete profundamente na política quando essa esfera da atividade humana passa a ser vista como o espaço do “fracasso imutável” por parte da classe trabalhadora. Pois após a queda do Muro de Berlim (HOBSBAWN, 1995) e no conseguinte triunfo da ideologia neoliberal, gestou uma sociabilidade em que os afetos e as relações interpessoais se sobrepõem aos grandes ideais políticos ou filosóficos. A individualidade, a particularidade e a experiência emocional dos indivíduos geram um ambiente em que se abre mão de um futuro racionalmente construído em troca da concretização dos desejos mais imediatistas. É a vida da sociedade pós-moderna (BAUMAN, 1998), a qual desacreditada em suas instituições reguladoras e sem uma ideologia sólida que se contraponha ao mal-estar vivenciado cotidianamente, permanece num certo conformismo.
               
Nesse tipo de mentalidade, o trabalhador está sempre passível de sofrer com as incertezas do mercado de trabalho e o alarmante aumento dos índices de desemprego. Tais elementos geram nesse sujeito uma sensação de medo e insegurança. Sendo assim, o foco coletivo para resolução dos problemas sociais é perdido – desmorona-se o sentimento de coletividade diante desse extremo individualismo, as pessoas não conseguem mais conceber que organizações como sindicatos e partidos políticos consigam mais organizar a ordem social e todas as mazelas sociais passam a ser vistas como impasses de cunho individual. Assim as relações humanas são marcadas pela efemeridade, pressa, brevidade; valores esses reforçados pelas comunicações eletrônicas.
               
O declínio da coisa pública (BOURDIEU, 2009) gera a sensação no cidadão de que ele é repelido para fora do Estado (que no fundo só exige desse sujeito o cumprimento de suas obrigações fiscais com as autoridades públicas independente da melhoria da qualidade de vida do mesmo). Dessa forma, o trabalhador trata as instituições políticas como instrumento alheio a concretização dos seus interesses e não desenvolve nenhum entusiasmo quando movimentos sociais tentam ir contra esse tipo de mentalidade hegemônica na opinião pública.  
               
As mudanças e inseguranças no mundo contemporâneo advindas do capitalismo flexível gerou um medo e conformismo entre os trabalhadores – sentimento de fracasso que dificulta que esse setor social se organize aos moldes clássicos do conflito de classes e lute por melhoria em sua qualidade de vida.

A lógica de resolver isoladamente problemas a curto prazo e a necessidade de constantemente se adaptar as mudanças do mercado desmontou de forma significativa a mobilização da opinião pública nos espaços institucionais. Nesse contexto, mesmo o sujeito percebendo que sua condição econômica é empobrecida diariamente pelas ações do Poder Público, o mesmo tende a se conformar com a situação – ele imagina o “fim da história” porque não há como ser diferente. Sem enxergar uma ideologia que renove o seu folego coletivo, cético diante das instituições sociais e atomizado na resolução dos seus problemas – o homem pós-moderno tende a “naturalizar” o fato de que multinacionais enriqueçam sozinhas enquanto a maioria da população cada vez mais sofre com a desigualdade política/econômica.

Referencias Bibliográficas:

BAUMAN, Zigmunt. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998

BOURDIEU, Pierre. Contrafogos 2: por Um Movimento Social Europeu. São Paulo: Zahar, 2009.

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos - o breve século XX. 10ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

GENTILI (org.), Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. 4ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

SENNETT, Richard. O Declínio do Homem Público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.    

                                              

Um comentário:

Professora Lucianny Araujo disse...

Fantástico! O caminho e esse mesmo. A classe média que não se sente explorada e se reconhece elite, não se mobiliza pelo interesse coletivo. Acredito que o desmonte da ideologia socialista ou comunista se deu quando a classe média foi inserida na pirâmide social.