quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Estado, Sociedade e Democracia na Grécia Antiga: reflexões de Aristóteles na obra A Política


Estado, Sociedade e Democracia na Grécia Antiga: reflexões de Aristóteles na obra A Política


Dennis de Oliveira Santos


O Livro III do livro A Política de Aristóteles argumenta sobre a teoria da cidadania, ele é o centro de gravidade da Política, momento onde se estuda as formas de governo de uma cidade e suas constituições. O livro é provindo de uma investigação sobre o domínio de ação do legislador, é mediadora entre a introdução à natureza da cidade, nos livros I e II, e as aplicações legislativas nos Livros IV, V e VI.
Aristóteles introduz agora a cidade como um composto, uma multidão diversificada, e que cada cidadão é uma parte. A cidade é por Além da natureza da cidade, o legislador tem que conhecer a politeia, (regime, constituição, ordem constitucional, forma de governo, regime constitucional). Se a unidade política fosse apenas o resultado de um processo biológico, o teórico apenas teria que relatar o processo de crescimento, saudável ou doentio, e de corrupção. Mas a cidade-estado também resulta dos atos libertadores dos fundadores originais e dos fundadores permanentes que são os legisladores e os governantes, e os cidadãos (homens livres) que participam na vida política.
A comunidade de cidadãos é comparada a uma comunidade de marinheiros numa embarcação. Em ambas ocorre uma divisão de funções, cuja combinação de dinamismo e ordem é necessária à segurança na viagem. Analogamente, os cidadãos, embora desiguais, têm como tarefa comum à segurança da comunidade. Neste contexto, os homens livres tinham a função de atuarem nos cargos públicos, os escravos de exercerem os trabalhos braçais, as mulheres cuidarem do lar e etc.
Quanto à pergunta sobre o que é um cidadão, Aristóteles procede por eliminação de critérios. A residência no território é critério insuficiente porque estrangeiros e escravos também a podem possuir. O direito de processar e ser processado judicialmente são insuficientes; pode ser assegurado a estrangeiros mediante tratado. A descendência materna ou paterna também não basta; os fundadores da cidade acabariam por não se enquadrar no critério. Aristóteles exclui da cidadania as mulheres, as crianças, os anciãos que ultrapassaram um limite de idade, os estrangeiros residentes e os escravos. Esta listagem de exclusões mostra que Aristóteles tem dificuldades em criar um critério de cidadania. Aliás, acaba por admitir que a ascendência por via paterna é importante para se ser cidadão. A resposta não é teoricamente muito satisfatória, nem talvez fosse pretendida como tal. Aristóteles descobriu que, em ciência política, a noção de perfeição é singularmente vazia, sendo mais importante investigar de que modo a natureza comum do político se atualiza de modo diferente nas inúmeras variantes constitucionais.
Esta nova problemática da tensão entre natureza da cidade e forma dos regimes políticos é a resposta teórica aos materiais de 158 constituições helênicas. Em vez de procurar fazer coincidir natureza e forma para obter uma "cidade ideal" - desejável, mas impossível de estabelecer - Aristóteles verifica que as imperfeições dos regimes resultam da falta de protagonismo dos cidadãos livres e iguais que deveriam constituir o grupo predominante na vida política.
Se diferentes tipos humanos buscam a felicidade de diversos modos, forçosamente possuem diferentes formas de governo. Cada polis é uma multidão com tipos humanos extremamente diversificados; segundo Aristóteles apenas um pequeno grupo de indivíduos responsáveis atingirá uma estatura moral completa ou perfeita; outros serão bons cidadãos, sem serem forçosamente homens de bem: outros nem possuem os requisitos necessários para a cidadania. No grau inferior desta escala estarão os escravos por natureza. A variedade de tipos humanos resultante é enorme e mostra-nos uma sociedade pluralista. Para efeitos de descrição, podemos concentrar-nos nos dois pólos opostos desta escala social: o indivíduo responsável e o escravo.
Como é possível a diferença de tipos humanos reconciliar-se com a idéia de unidade da natureza humana? Tendo a escrava capacidade de virtude, como se distinguirá do homem livre? E se é humano, como pode deixar de ter razão? A sua solução reside na descrição de caracteres em termos de predominância de um dos componentes. A diferença entre seres humanos é de espécie, e não de grau nem de gênero. Aristóteles sustenta a igualdade da natureza humana, a par de diferenças de personalidade. A desigualdade evidente entre homem livre e escravo não significa uma diferença de natureza. A natureza é idêntica para todos devido à razão, mas a disposição interna desta é extraordinariamente diversa. O escravo por natureza é um caso de máximo afastamento das virtudes e éticas, e na mente de Aristóteles, também as mulheres e crianças se afastam desta culminância.
Quanto ao homem bom, Aristóteles segue a mesma metodologia de descrição do caráter em termos de predominância de um dos três componentes da alma: desejo, vontade e razão. Aristóteles é resolutamente a favor da vida política, ou vida ativa, como meio de alcançar a felicidade.
A cidade não existe apenas para viver; justifica-se se proporcionar uma vida do bem; caso contrário também poderia existir uma cidade de escravos, ou de animais. Quando um grupo realiza a excelência humana, deve tornar-se representativo da cidade e criar um regime político em que conflua a natureza e a melhor forma. O melhor regime será aquele em que os grupos governantes exibirão a excelência humana, em particular as virtudes éticas em vários graus de atualização.
Para Aristóteles, é a ciência política, a ciência da conduta do homem em sociedade que engloba a ética, ciência da conduta individual do homem. A Política de Aristóteles resume os preceitos finalistas da sua Ética: “Todos aspiram a viver bem e à felicidade. Toda a ação humana está orientada para o bem e para a felicidade (eudaimonia) que se define como criatividade da alma dirigida pela virtude perfeita. A virtude mais humana consiste na busca do bem e da felicidade”.
O homem atinge a felicidade através da virtude. Mas uma vez que as excelências ou virtudes humanas apenas são realizáveis na esfera da sociedade política, a cidade tem que preocupar com a virtude. A cidade não é apenas uma comunidade de lugar, nem um recinto amuralhado cujo fim seja evitar a injustiça e facilitar as trocas comerciais. O fim da comunidade política é assegurar aos cidadãos a vida boa. A vida boa é conforme à virtude, “Não só se associam os homens para viver, senão para viver bem (caso contrário haveria cidades de escravos e de animais. E isto é impossível porque estes não participam da felicidade”. Por “vida boa” não se deve entender abundância de bens materiais que caracteriza o que correntemente se chama a sociedade de consumo, ou mais vulgarmente, a boa vida. Os elementos apresentados sublinham que para viver bem “a cidade é uma comunidade de homens livres”.
Apesar de tudo, estas respostas parecem demasiado teóricas para resolver os problemas da vida política. Aristóteles tinha outras conclusões disponíveis para os seus silogismos.
Uma segunda possibilidade seria conceber a cidade-estado segundo o modelo da monarquia mundial presente na formação do império helênico. Que sucederia se aparecesse um indivíduo ou um grupo de indivíduos superiores pelas virtudes? Aristóteles indica que se um homem destacasse acima de todos os outros, não deveria ser tratados segundo as regras correntes; seria “como um deus entre os homens”, referindo explicitamente a identidade da felicidade com a atividade virtuosa, explora a hipótese de o poder supremo ser o mais excelente dos bens porquanto permite realizar ações nobres, mas rejeita a hipótese: a excelência inicial seria perdida com a violência exercida para obter o poder.
A vida ativa da cidade helênica de homens livres é, pois, o modelo definitivo de existência humana em sociedade. A idéia teórica é convertida em critério para julgar a cidade e as categorias podem ser transferidas: o homem excelente tem o seu paralelo na idade excelente; o homem feliz na cidade feliz. A felicidade da cidade é alcançada quando os cidadãos estão treinados de modo a que todos os estratos da existência humana estejam desenvolvidos. Cada cidade-estado helênica deve ter um fim em si mesma e unificar as suas partes sob a ação da vida ativa do indivíduo responsável. Pensar o indivíduo, a cidade e o divino sob o modelo da auto-suficiência, e no quadro do cosmos, é um modelo que melhor transmite a grandeza e os limites do próprio Aristóteles.
Na análise empreendida nos três primeiros livros, Aristóteles recorreu a importantes distinções metodológicas. Após analisar a natureza da cidade nos livros I e II, a observação das evoluções constitucionais fê-lo criar a nova categoria de forma da cidade. No livro III, o regime adquiriu essa função de ser a forma da cidade perante a matéria que são os cidadãos. Contudo esta segunda relação levanta duas novas dificuldades. Por um lado existem indivíduos que pertencem, mas não participam na vida da cidade. São membros da cidade, mas não são cidadãos segundo a forma. Por outro lado, admitida a distinção entre o homem de bem e bom cidadão, só em circunstâncias excepcionais, poderia haver coincidência entre ambos. Para evitar a quebra da filosofia das coisas humanas, e a tensão entre ciência ética e ciência política cujas conseqüência prática seria entregar o governo aos expedientes sofísticos ou aos tiranos e remeter o indivíduo para a existência amorfa e apolítica - Aristóteles solicita ao legislador que se aproxime da natureza, através da legislação. É preciso a todo o custo sustentar a filosofia da cidade como a comunidade em que o homem pode realizar a sua natureza de modo pleno. O problema reside em saber se as categorias de Aristóteles descrevem este processo.
Aristóteles conhece as dificuldades de transformação das categorias em tópicos fora do âmbito original, que a sua exposição é o melhor guia de resolução das dificuldades. Se as categorias forem aplicadas a uma polis, a politeia será a forma e os cidadãos a matéria? Todos, então, deverão ser cidadãos? Ou só os que participam na governação e votação? Numa tirania ou oligarquia seria impossível, porque os homens livres perdem o direito de votar ao contrário do que sucede em democracia. Admite que definir o cidadão como o participante no processo de decisão só vale em democracia, mas não insiste demasiado neste ponto. Quer reter o regime como a forma da cidade e os cidadãos como matéria. Mas surge, assim, o novo problema de uma cidade mudar de identidade cada vez que muda de regime e o caso perturbador de o homem de bem poder ser mau cidadão ou o bom cidadão cumpridor das leis, ser um indivíduo moralmente detestável. A tensão entre as exigências da ética e da política tornava-se incomportável e a unidade da análise ético-político ficaria destruída. Mas apesar de tudo isto, Aristóteles não modificou o paradigma de análise. Porquê? Que motivos tinha para assim proceder?
Aristóteles estava consciente que o regime constitucional (politeia) não pode ser construído como essência ou forma da sociedade porque não possui estatuto ontológico próprio; é apenas uma rede de instituições políticas que existe no tempo histórico. Acresce que Aristóteles expôs claramente que a forma política da cidade é apenas uma fase de um ciclo mais amplo constituído por realeza, aristocracia, oligarquia, tirania e democracia.
Aristóteles é um filósofo: interessa-se pela estrutura e não pela história da sociedade. Admite um modelo proveniente das investigações históricas, mas insiste em articular a essência da polis.
A partir do cap.6 do Livro III, é introduzido o exame dos tipos de ordem constitucional mediante uma nova definição de politeia: “Um regime pode ser definido como a organização da cidade no que se refere a diversas magistraturas e, sobretudo, as magistraturas supremas; em qualquer cidade, o elemento supremo é o governo, e o governo é o próprio regime”. A parte determinante numa democracia será o povo, numa oligarquia o grupo dirigente, e assim sucessivamente. Um segundo critério de diferenciação entre regimes é o interesse comum: “os regimes que se propõem atingir o interesse comum são retos, na perspectiva da justiça absoluta; os que apenas atendem aos interesses dos governantes são defeituosos e todos eles desviados dos regimes retos”. Ao invés das constituições justas, as injustas apenas olham aos interesses particulares dos governantes.
Em regra os ricos são poucos e os pobres muitos, sendo a democracia e a oligarquia os dois regimes mais freqüentes. Na prática, existe um terceiro grupo de indivíduos que intervém nos conflitos políticos - os virtuosos - sejam eles mais ricos ou mais pobres. Cada um destes três grupos funda a sua pretensão de governar a cidade num critério parcial de justiça; os pobres falam em nome da liberdade, os ricos devido à posição econômica, os virtuosos pelo desempenho da excelência: é inevitável o conflito político entre estas pretensões.
Mas perante interpretações parciais, afinal o que é a justiça? Segundo Aristóteles, consiste na igualdade de tratamento para os iguais e no tratamento desigual para os que têm méritos desiguais. Quando um destes princípios parciais de justiça é aplicado isoladamente, cria conflitos: os possuidores de riquezas tendem a generalizar a sua desigualdade relativa; os que são iguais em liberdade de nascimento, generalizam esta sua característica. O conflito decorrente entre ricos e pobres não pode ser resolvido em favor exclusivo de uma das partes, nem minorado por uma solução contratual. A visão ambiciosa de Aristóteles exige que a cidade seja mais do que uma associação fundada para a segurança e defesa e para a troca de bens. A cidade é uma comunidade de aldeias e de famílias, baseada na amizade entre seres humanos e a amizade apenas se alcança através da realização do supremo bem. A realização de ações dignas na cidade exige a participação dos indivíduos virtuosos; não é um luxo; é indispensável para contribuírem com as excelências de que a cidade carece. A fidelidade e a consistência do método de Aristóteles pode ser bem apreciada nesta elevação do problema politológico do conflito de classes - que ele reconhece - ao nível da consideração ontológica sobre os fins da existência humana.
Uma vez que não existe uma solução final dos conflitos sociais, as soluções possíveis assentam no estabelecimento de uma ordem justa. O que é justo beneficia a cidade e cada cidadão. “A justiça é própria da cidade já que a justiça é a ordem da comunidade de cidadãos e consiste no discernimento do que é justo”. A justiça deve presidir e regular as relações sociais entre os membros da cidade, de modo a conferir fundamento e coesão e à vida social. A justiça política que é própria do homem articulado em sociedade, tem dois aspectos: a obediência às leis, às quais se deve ajustar a conduta dos cidadãos: e o critério de igualdade (isonomia) não para todos, senão para os iguais, já que a desigualdade parece justa, e é, com efeito, não para todos, senão para os desiguais.
Tal como a natureza impulsiona os seres humanos a agruparem-se em comunidade, as leis fundamentais também possuem uma origem na natureza. Aristóteles distingue entre leis escritas visionadas e promulgadas pelo legislador; e leis não escritas ou consuetudinárias; pronuncia-se pela superioridade das leis não escritas, mais seguras e fortes, porque a força da lei deriva do hábito e do costume e ganha vigor com o decorrer do tempo. A supremacia da lei resultante do tempo é fonte de força para a comunidade e de estabilidade da constituição. Por isso mesmo, é melhor ser governado por leis do que por homens, sempre sujeitos às paixões. Em termos atuais, estranhamos a referência da desigualdade, mas notamos que a base de idéia de justiça é a supremacia da lei, fundada na natureza.
A realeza surgiu como forma primitiva de governo quando um homem preeminente em virtude impunha as suas qualidades de fundador da cidade com proveito comum. Quando este governo virtuoso fez crescer a prosperidade, surgiu um grupo de barões que não aceitavam submeter-se e que criaram uma república aristocrática. Quando esta classe de aristocracia degenerou e enriqueceu a expensas da população, surgiram oligarquias sem o sentido da honra. A concentração da riqueza nas mãos de um só indivíduo gerou a tirania. A tirania, enfim, cedeu o lugar aos regimes dominados pela plebe urbana, massas de homens livres apenas no nome, mas sem a virtude de saberem governar em democracia. Aliás, devido ao crescimento histórico da massa populacional, a democracia tornou-se a única constituição aceitável na área helênica.
Diante desta breve análise da política aristotélica, podemos moldar uma breve comparação de tal sistema político com o sistema dos contratualistas. A modernidade, assim, definiu a política como atividade essencialmente burocrática-administrativa, ou seja, como atividade técnica separada do corpo da sociedade civil. Enquanto isso, Aristóteles define a política como atividade de fins éticos que prime pela felicidade e realização de todos os cidadãos participantes do Estado.
O Estado dos contratualistas passa a ser uma instância outra do corpo dos cidadãos. Para a antigüidade ateniense o Estado era "a universalidade de seus cidadãos". (Aristóteles, Op. Cit., Livro III) Na modernidade o coletivo dos cidadãos é uma instância completamente diferente do Estado. Os cidadãos ficaram restritos à esfera do mundo privado, enquanto o Estado ficou responsável pela do mundo público. Os cidadãos são chamados apenas para votar a cada período de tempo, enquanto no sistema aristotélico os homens se dedicavam exclusivamente e assiduamente na eleição e participação nos cargos públicos. Assim, o Estado moderno, toma uma posição totalemente oposta a visão ética e igualitária de Aristóteles, pois enquanto instância, torna-se autônoma do corpo dos cidadãos, ouve os cidadãos e então volta a ser a instância que cuida da "coisa pública", em nome daqueles. O Estado moderno é essencialmente representativo.

Referências Bibliográficas:

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Hemus, 2005.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A Falácia da Neutralidade do Conhecimento e seus Aspectos Ideológicos



A Falácia da Neutralidade do Conhecimento e seus Aspectos Ideológicos

Dennis de Oliveira Santos

A suposição de que as noticias emitidas pela mídia em geral e o conhecimento como um todo são isentos de condicionamentos ideológicos, de que os jornalistas e cientistas são imparciais em seus relatos jornalísticos e pesquisas, e que, seus escritos não possuem claras referências ao status quo reinante da época; é um mito que é perpassado para imaginário coletivo do senso comum.



A concepção dos intelectuais neutros torna-se emblemática quando pensamos num conto infantil alemão, que serve para ilustrar essa conflitante pretensão de neutralidade: conta-se que, certo dia, um homem, conhecido como Barão de Munchhausen, num de seus passeios a cavalo, afundou num pântano. E cada vez mais ele afundava e, como não havia ninguém para socorrê-lo, ele teve a brilhante e mágica idéia de puxar a si mesmo pelos cabelos, até que conseguiu sair, juntamente com o seu cavalo daquele atoleiro.



O dilema que este mito nos traz é de que os intelectuais (cientistas, jornalista, literatos, etc), mesmo presentes num meio social cercado de valores, conseguem isolar-se deste mundo que os cerca. Porém, mesmo que este grupo pensante tentasse neutralizar os valores socialmente estabelecidos, eles não conseguem, e acabam servindo ideologicamente às classes dominantes da sociedade de sua época.



Ao invés desta polêmica concepção, deve-se refletir que as diversas formas de conhecimento não se desenvolvem no vácuo social, em função da despretensiosa acumulação de informações, conceitos e teorias. Nossas opiniões, inclusive as de cunho artístico ou cientifico, são determinadas pela situação histórica e social de nosso tempo. Sempre há uma relação sociológica entre as manifestações intelectuais e valores socialmente determinadas por um grupo.



Neste contexto, surgem então às ideologias, entendidas como visões de mundo, meios de construção de valores coletivos. E a analise destes elementos auxilia a verificar que as produções literárias por parte de intelectuais, conduzem a justificação ou interligação com valores morais e políticos de uma esfera social.



E para conceituar o termo ideologia, utilizaremos o teórico Karl Mannheim. Sociólogo que, sofrendo a influência de Max Weber (1992), ao ser aluno de seu irmão, Alfred Weber (LALLEMENT, 2004), alarga os estudos da sociologia compreensiva alemã; tendência sociológica que busca compreender interpretativamente a ação social dos indivíduos e, explica-la em seus efeitos e significados intencionais de seus agentes. Assim, ele desenvolve uma nova disciplina sociológica, a sociologia do conhecimento (GEWANDSZNAJDER, 2001): que alega que todo o ato do conhecimento não resulta apenas da consciência puramente teórica, mas também de inúmeros elementos de natureza não teórica, oriunda da vida social e das influências ao qual o indivíduo está sujeito.



Mannheim desenvolve em sua obra, uma tese impregnada de sentido: todo o pensamento é um processo determinado por forças histórico-sociais. Assim, as ideologias seriam modos de pensar que refletem os interesses de um grupo dominante, que prevalecem numa organização social, que justificam determinadas ações em nome da preservação do status quo reinante.



Porém, o teórico baliza seu estudo com o auxílio de uma dupla definição de ideologia. Segundo ele, o termo possui duas significações: a particular e a total. A concepção particular de ideologia corresponde a uma análise de idéias no âmbito psicológico, centrada nos interesse dos indivíduos, instante em que as idéias expressam por um sujeito possuem a finalidade de sua existência: seus valores e posicionamentos são interpretados à luz da situação de vida de quem os expressa. Essa noção particular não estaria de acordo com os interesses sociais, mas estaria relacionada a um interesse pessoal de um indivíduo, em sua mera noção de articular uma mentira ou ilusão de um opositor; o que estaria fadado a ser incompleto na análise do processo de construção do conhecimento. É o que afirma Mannheim:

A concepção particular da ideologia realiza suas análises de idéias em um nível puramente psicológico. (...) As idéias expressadas pelo individuo são dessa forma encaradas como funções de sua existência. Isto significa que opiniões, declarações, proposições e sistemas de idéias não são tomados por seu valor aparente, mas são interpretados à luz de vida de quem os expressa. (...) São disfarces da realidade que estaria em desacordo com seus interesses. Tais distorções podem ser mentira conscientes ou dissimuladas. (...) A primeira pretende que este ou aquele interesse seja a causa de uma dada mentira ou ilusão (MANNHEIM, 1968, p. 82-85).

A concepção total de ideologia consiste em atribuirmos ás formações intelectuais não aos indivíduos que lhe sustentam, mas considera-las como construções de um conhecimento que é o reflexo de um estado social, historicamente fundamentado, que possui o objetivo de justificar a ordem social vigente. Esta noção refere-se numa análise de ideologia enquanto o pensamento revela uma correspondência com a situação de um grupo social. Ao invés de se analisar as afirmações no âmbito psicológico, visa-se analisa-la como funções de sua base social. Novamente nos remetamos ao teórico supra citado:

Com a concepção total de ideologia, a questão é diferente. Quando uma época histórica atribuímos um mundo intelectual e a nós mesmos atribuímos outro, ou quando um certo estrato social, historicamente determinado, pensa com categorias diferentes das nossas, não estamos referindo a casos isolados de conteúdo de pensamento, mas a modos de experiência e interpretação amplamente diferentes e a sistemas de pensamento fundamentalmente divergentes. (...) Correspondendo a esta diferença, a concepção particular da ideologia opera principalmente com uma psicologia de interesses, enquanto a concepção total utiliza uma análise funcional mais formal, sem quaisquer referências a motivações, confinando-se a uma descrição objetiva das diferenças estruturais das mentes operando em contextos sociais diferentes (MANNHEIM, 1968, p. 83).

Assim, atinge-se desta forma, um nível teórico mais completo acerca da estrutura conceitual do pensamento. Vejamos novamente o que diz Mannheim:

Atingimos a um nível teórico ou noológico sempre que consideramos não apenas o conteúdo, mas a igualmente forma, e, mesmo, a estrutura conceitual de um modo de pensamento, como uma função da situação de vida de um pensador (MANNHEIM, 1968, p. 103).

Dada à noção objetiva do conceito de ideologia, sugere-se que devamos reconhecer o processo do conhecimento como um conhecimento relacional, que só pode ser formulado com referência á posição do observador ao se defrontar com a tarefa de discriminar o que num dado conhecimento seja falso ou verdadeiro. É o que detecta-se quando percebemos que:

Uma teoria moderna de conhecimento que considere o caráter relacional como distinto do caráter meramente relativo de todo o conhecimento histórico deve partir da suposição de que existem esferas de pensamento em que seja impossível conceber uma verdade absoluta, independente dos valores e da posição do sujeito, e sem relações com o contexto social (MANNHEIM, 1968, p. 83).

Aprofundada a análise, o problema agora é reformulado, baseado numa tentativa de demonstrar como a história do pensamento em seus suportes intelectuais, se vinculava a estas formas de experiência: delineia-se a íntima relação entre pensamento e esfera social. Por exemplo, as notícias emitidas acerca do cotidiano político nacional pela mídia, que são efetuadas pelos grupos empresariais detentores dos meios de comunicação, freqüentemente, trazem em sua gênese, um viés ideológico que tende a preservar um status quo de determinados grupos dominantes no cenário político do país, grupo o qual os detentores da mídia estão filiados. Assim, ao invés do senso comum formar uma opinião pública reflexiva ou menos “tendenciosa” acerca de algum acontecimento político, acaba gestando um posicionamento que reflete ideologicamente as vontades de grupos políticos dominantes do país, fruto da parcialidade tendenciosa criada pelos jornais e programas televisivos.



Torna-se evidente que esta inter-relação é uma forma mais completa de análise, pois o mundo se compõe numa estrutura historicamente determinada, podendo ser rompido ou ter relações com outras esferas da atividade humana, a qualquer momento. Portanto, visa-se analisar as ideologias provenientes das atividades intelectuais correspondentes a estrutura da sociedade, que varia com relação as classes sociais. Percebendo que estas idéias não são um mero ajuntamento causal de experiências fragmentárias dos membros isolados de um grupo social, mas sim uma totalidade integrado num sistema de pensamento objetivadas à partir dos interesses de uma dada classe social.

Referências Bibliográficas:

GEWANDSZNAJER, Fernando (org.). O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2ed. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001.

LALLEMENT, Michel. História das Idéias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1992.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A Revolução Burguesa Brasileira: uma interpretação sociológica da sociedade e Estado no Brasil


A Revolução Burguesa Brasileira: uma interpretação sociológica da sociedade e Estado no Brasil

Dennis de Oliveira Santos


Introdução
Escrito no ano de 1975, a obra intitulada A Revolução Burguesa do Brasil, de autoria do sociólogo Florestan Fernandes, a partir de uma interpretação histórico-sociológica do Brasil, trouxe uma nova visão teórica para o pensamento social brasileiro de sua época. A preocupação central desse livro está relacionada ao fato de como o capitalismo se desenvolveu no Brasil: são as especificidades da consolidação desse processo econômico, instaurada de forma lenta e gradual no país, de forma bem adversa ao que ocorreu nos países europeus, que será o eixo central de discussão teórica tecida pelo autor.


O Processo da Revolução Burguesa no País

A história da burguesia brasileira não surge com a colonização, esta tem um aparecimento tardio e dependente, optando por assimilar formas econômicas, sociais e políticas do mundo ocidental moderno. Dessa forma, o caráter revolucionário da burguesia estritamente brasileira, deve ser vista a partir de determinadas particularidades sócio-econômicas, diferentemente das revoluções burguesas que aconteceram na Europa.
Nesse sentido, o país passou a ser burguês e capitalista a partir de um de um certo momento da sua história, bem posterior ao seu descobrimento. Foi um momento histórico de transição da época dos senhores, sob a hegemonia das oligarquias agrárias, para a era burguesa, quando a hegemonia foi compartilhada entre aquela oligarquia e o novo grupo social que surgia, que era burguesia.
Não houve um confronto de estrutura entre a antiga e a nova ordem, elas apenas se uniram. Assim, a burguesia recém formada não entrou em conflito com a aristocracia agrária, foi uma espécie de oposição dentro da ordem, instante em que se comprometia-se com tudo o que lhe fosse vantajoso a essa novo grupo social. Ajustou-se à tradição, preferindo a mudança gradual e a composição a uma modernização vigorosa. Os grupos oligárquicos também por sua vez, baseados em acordos e compromissos, modernizou-se e também criou seus aspectos de burguesia. Houve desta forma, associações vantajosas, as coisas não se desenrolaram politicamente, pela tomada do Estado oligárquico, mas sim, economicamente.
A burguesia local produziu a sua revolução em uma economia colonial, periférica e dependente. O capitalismo brasileiro é se deu de forma dependente aos interesses da colônia portuguesa, o que consequentemente afetou a sua burguesia. O livro constata, a partir de exemplos empíricos, que no Brasil Colônia não havia condições e processos econômicos que sustentassem o pleno funcionamento dos modelos econômicos trazidos dos grandes centros mundiais, sua intenção era a de apenas manter e intensificar a incorporação dependente da economia brasileira. Portanto, não houve no Brasil uma ruptura com os grupos dominantes locais, nem com os países centrais, o desenvolvimento socioeconômico foi se moldando e se acomodando como certo tipo de imposição de dentro para fora pela economia capitalista mundial.
Essa revolução burguesa tinha o intuito de realizar a implantação de uma economia capitalista independente, nacional, sendo esta sua aspiração final. Para se obter este resultado, o mercado interno deverá se fortalecer e se tornar autônomo, ter hegemonia sobre o mercado externo: as relações de produção deveriam se tornarem totalmente capitalistas, momento em que a organização da produção deveria se racionalizar, o Estado deveria se burocratizar racionalmente. Eis aí o sentido final da ação da burguesia na história das estruturas políticas e econômicas do país.
Porém, essas burguesas aspirações obtiveram outros resultados em função das especificidades da estrutura das relações sociais reinantes naquela época. Percebe-se a veracidade dessa idéia quando Florestan alega que a realidade brasileira tem seu ritmo específico, os quais impõem obstáculos ao seu desenvolvimento autônomo. Em tal ambiente, a burguesia fica numa posição dependente. Sendo assim, a burguesia brasileira teve de reduzir o alcance de sua revolução, limitando o seu impulso transformador: é o que se pode chamar de restrição do campo de sua atuação.
Diante disso, a burguesia atuava em condições muito adversas em vista do passado, que era atado a uma dependência estrutural capitalista. Esse tipo de sistema econômico engendrado deixou poucas alternativas à burguesia. O que acarretará na concepção de que a dominação burguesa no Brasil fugirá do modelo clássico europeu, não será nacional e democrática, mas dependente e autoritária. Porém, esta se faz necessária para possibilitar o desenvolvimento capitalista e consolidação da dominação burguesa. Para discutir de forma mais pormenorizada as idéias presentes nesse clássico da sociologia brasileira, observemos dois processos sociais por qual passou essa burguesia: o processo político e o econômico.


O Processo Político
O capitalismo e o seu agente apareceram no Brasil, entre 1808 e 1822. Eles apareceram ligados ao comércio e não à produção agrícola exportadora e nem à produção manufatureira ou industrial. O comércio passou a ser controlado de dentro; os controles externos da economia colonial transferiram-se para o interior da nova economia nacional que se implantava, trazendo o espírito burguês, a concepção burguesa do mundo. Houve uma mudança significativa na relação da economia brasileira com o sistema econômico externo, após a extinção do estatuto colonial e a constituição de um estado independente.
Não foi a emancipação nacional, mas a renovação da independência, a sua articulação sobre novas bases e em outros termos. Isso não impede que a independência tenha representado uma revolução social, a primeira que se operou no Brasil. Ela representou o fim da era colonial e o ponto de referência para a sociedade nacional, com ela inaugurada. Muitos não lhe atribuem valor, por ter persistido a ordem social interna colonial e por ter sido produzida sem a participação das massas. Apesar de isso ser verdade e limitar seu alcance transformador, Florestan Fernandes, vê neste fato, que a extinção do estatuto colonial teve um sentido econômico-social revolucionário.
Com ela instaurou-se uma sociedade nacional, o poder deixará de ser uma imposição externa para organizar-se a partir de dentro, com elementos brasileiros, apesar da nova dominação inglesa. As elites do Brasil poderão atuar sem o controle da coroa portuguesa.
A independência só não foi violenta porque, por coincidência, pelas circunstâncias da história européia, a corte foi obrigada a se transferir para o Brasil. Ela já era uma necessidade histórica. As elites não queriam mudar a ordem social colonial, só queriam controlá-la de dentro. A independência não foi e nem poderia ter sido feita de maneira mais coletiva e agressiva. Ela foi uma realização das elites que pretendiam tornar interno o poder e controlar diretamente o comércio de seus produtos. Não foi, para Florestan Fernandes, uma revolução social, embora tenha dado início à revolução burguesa. Foi ao mesmo tempo um movimento revolucionário, a busca de uma sociedade autônoma; e conservador, a preservação e a consolidação da ordem social colonial, pois as elites não possuíam condições materiais e morais para enquadrar o padrão de autonomia necessário a uma nação. Apesar disso, havia um elemento transformador, dinâmico. As idéias liberais, que foram selecionadas eficazmente e ofereceram às elites a argumentação racional contra a condição colonial e pela emancipação. Elas ofereceram forma e conteúdo às pretensões igualitárias com a metrópole, por um lado, e por outro redefiniram as relações de dependência que continuaram a vigorar entre o Brasil e o mercado externo.
Desse modo, a independência impôs o domínio senhorial sobre a nação. As possibilidades de mando por parte do senhor extrapolaram o seu domínio rural. O poder senhorial atingiu o novo estado nacional, que integrou os interesses de todos os senhores agrários locais e regionais em um interesse nacional. O senhor se transformou em cidadão. Com idéias liberais circulando por outras razões, mais econômicas e políticas, passaram também a circular idéias sociais: a de direito, liberdade individual, de justiça, de progresso... Essas idéias liberais não selecionadas pelas elites, oferecerão argumentos às lutas contra a escravidão e pela democracia que, então começaram. Elas alimentaram uma utopia revolucionária. A independência revelou o caráter duplo do liberalismo, dependência nova em relação ao exterior e caminho novo de autonomia, não de um povo ainda, mas das elites.
Além do mais, esse processo de revolução burguesa foi impedido pela mentalidade tradicional, que era hegemônica nas relações socais. Isso se deve ao fato em grande parte a escravidão, que adquiriu nesse ambiente, um sentido em nome do lucro, e portando, em nome da inserção marginal do Brasil no amplo processo de reprodução do capital na época. O sistema escravista gerou uma estrutura social vigorosa, produziu instituições duradouras e engredou mentalidades que tenderam a persistir após a independência do país. Diante desses aspectos históricos, os novos sujeitos sociais (a burguesia em formação), tenderam em boa parte a se tornarem também agentes de uma aparência nova das velhas e persistenes estruturas da sociedade brasileira.
A democracia não era então uma condição geral da sociedade. Pois a mentalidade local, mesmo passando por processos transformadores oriundos da nova mentalidade burguesa, dava continuidade de certa forma a dominação estamental. Ou seja, no período de extinção do estatuto colonial e da implantação da monarquia constitucional, estava-se mais comprometido com a defesa da propriedade privada, da escravidão e de outros componentes tradicionais do status quo, do que criar mecanismos de integração nacional e a instauração de autonomia econômica local. O que demonstra que a estrutura patrimonial permanecia a mesma, pois continuava a se manter sobre a escravidão e a dominação tradicional. Enquanto isso, a ideologia liberal se impunha num momento de forma indecisa e que não fomentou grandes rupturas nas estruturas sociais.


O Processo Econômico
O processo econômico foi o segundo processo desencadeador da revolução burguesa, houve uma mudança nas relações entre a economia brasileira e o neocolonialismo. Os agentes estrangeiros que comercializavam os produtos brasileiros antes da independência assumirão, após, o controle da antiga colônia sem riscos políticos. A exploração colonial passou a ser, agora, estritamente econômica. O produtor brasileiro e o importador estrangeiro discutiam quem ficaria com a maior parcela econômica.
O produtor brasileiro começou a aspirar à internalização da fase de comercialização. Mas não podia ainda exercê-la. Ele teve de se adaptar a essa hegemonia econômica. Quanto aos comerciantes estrangeiros, intermediários entre o produtor e os importadores europeus, aceitaram internalizar até certo ponto o comércio que realizavam, integrando o Brasil no sistema capitalista mundial, retirando o produtor brasileiro da posição marginal que ocupava. Essa nova relação de dependência perdeu o sentido político se tornando, sobretudo econômica. O produtor brasileiro tornou-se um sócio menor. A dependência foi preservada, mas as relações com o exterior se alteraram. A nova economia nacional que emergia possuía novas funções e se articulava de forma nova com o mercado mundial. O neocolonialismo foi um fator de modernização econômica de fato, alterando a economia interna em suas articulações com o centro.
O novo país foi preparado para montar e expandir uma economia capitalista dependente. Ganhou um 'status' próprio na organização da economia mundial. Nessa nova posição, podia absorver padrões de comportamento econômico, moderna tecnologia, instituições econômicas e capital. O processo concentrou-se na esfera das atividades mercantis e financeiras. Foi nessa esfera que houve a internalização de operações que antes ocorriam fora. O controle externo da economia interna processava-se sob forte identidade de interesses, lealdade e simpatia. Esse controle externo era indireto, à distância e impessoal. Os negócios de exportação e importação não eram percebidos como uma relação de dependência econômica.
A revolução burguesa acelera-se somente no século XX, com a industrialização, a Revolução de 1930 e vários episódios de golpes de Estado e de exclusão pela força dos movimentos populares. A burguesia brasileira é dotada de um espírito modernizador, mas o restringe à esfera econômica. A dominação burguesa no Brasil é autocrática. Foram à oligarquia tradicional agrária aliada à elite dos negócios comerciais e financeiros que decidiram, e não as classes industriais, o que deveria ser a dominação burguesa na prática. Desde o início, essa revolução excluiu a população brasileira do acesso ao poder político e das conquistas democráticas. O liberalismo político foi esquecido ou pormenorizado, só o econômico foi praticado. A burguesia brasileira é estruturalmente contra-revolucionária. O autor mostra que interesses divergentes passaram pelo filtro das concessões e ajustamentos mútuos, cancelando ou reduzindo drasticamente o impacto revolucionário do deslocamento dos interesses dominantes da burguesia. A unidade de classe assume tom ultra conservador, facilmente polarizado por valores e comportamentos reacionários, e até profundamente reacionários.
Florestan Fernandes entende, porém, a revolução burguesa não como um episódio histórico, mas como um fenômeno estrutural, que não segue um caminho único. Ou seja, ela seria um processo dinâmico, que ocorreria de acordo com as diferentes escolhas realizadas pelos agentes humanos no âmbito econômico, social e político. Portanto, se trataria fundamentalmente de estudar o “estilo” específico que a revolução burguesa assume no Brasil.

A periferia do capitalismo possuiria traços estruturais e dinâmicos que caracterizariam a existência de uma economia mercantil, se não os tivesse não seria capitalista. No entanto, diferenças se superporiam a essas uniformidades fundamentais, tornando o desenvolvimento capitalista dependente, subdesenvolvido e imperializado. Seriam precisamente essas diferenças que caracterizariam o típico da dominação burguesa e da transformação capitalista na periferia. Por um lado, como “não há ruptura definitiva com o passado”, ele reapareceria, cobrando “seu preço” Por outro lado, a revolução burguesa apareceria vinculada a mudanças decorrentes da expansão do mercado capitalista e dos dinamismos das economias centrais.

Em termos mais históricos, Florestan Fernandes considera a independência como a primeira grande revolução brasileira. Ela delimitaria o fim da era colonial e o início da formação da sociedade nacional. Desde então, o poder deixaria de ser imposto de fora para ser organizado de dentro, as camadas senhoriais impondo seu domínio para além do nível doméstico.
Por outro lado, se manteria a estrutura econômica e social da colônia. Estaria presente, assim, desde a independência, uma polarização dinâmica representada pelo estabelecimento de uma organização jurídica-política autônoma com a conservação da ordem social da colônia. O primeiro elemento, revolucionário, teria agido no plano da política, abrindo caminho para a formação da sociedade nacional. Já o elemento conservador, teria pressionado pela manutenção da antiga estrutura social.
A intimidade entre os dois aspectos seria tanta que se teria estabelecido um verdadeiro amálgama entre o novo, a organização jurídico-político, e o velho, seu substrato material, social e moral. A independência, ao não entrar em conflito com a estrutura da sociedade colonial, levaria à superposição dos planos de poder. Portanto, a ordem legal conviveria com a dominação tradicional estabelecendo uma dualidade estrutural.
Em outras palavras, se criaria, desde a independência, uma situação de fusão do velho com o novo. Essa fusão seria, além de tudo, funcional para o tipo de capitalismo praticado na periferia do sistema. O capitalismo se superporia ao que existia anteriormente, se aproveitando das condições extremamente favoráveis de acumulação original, herdadas da colônia e do período neocolonial. Como resultado, conviveria com formas econômicas extra-capitalistas, de onde seriam extraídas parte do excedente econômico que financiaria a modernização.
Assim, não se chegaria a ser concretizada, ao longo da evolução do capitalismo no Brasil, a superação de formas econômicas não capitalistas e a ruptura da associação dependente com o exterior. Apareceria aí um padrão de desenvolvimento típico do capitalismo dependente e subdesenvolvido. Ele se caracterizaria por uma dupla articulação, manifestada externamente, pela dominação imperialista e, internamente, pelo desenvolvimento regional desigual.
Isto é, haveria, a partir da independência, uma unificação das classes possuidoras, que acabariam por se identificar com uma visão de mundo e um estilo de vida burguês. Não seriam, porém, apenas seus interesses materiais que a oligarquia garantiria, sendo ela também que determinaria a repressão ao escravo e ao proletariado como eixos principais da revolução burguesa no Brasil. Num outro sentido, a associação com a oligarquia faria da burguesia brasileira uma classe ultra-conservadora e mesmo reacionária, o que abriria caminho para o padrão autocrático de dominação.
Seria em torno do Estado que as classes dominantes brasileiras se unificam, até porque por meio dele seus interesses poderiam ser universalizados. Essa orientação apenas repetiria um padrão mais geral. Mas de forma específica, a pressão externa, exercida pelo imperialismo, criaria um tipo particular de impotência burguesa que faria com que fosse em direção ao Estado que convergisse a ação burguesa, contribuindo para que o elemento político ganhasse importância. Tudo isso faria com que nessa situação a dominação burguesa e a transformação capitalista obedecessem a um “eixo especificamente político”.


Considerações Finais
Através dessa obra, observa-se que a realidade social brasileira passou na esfera político-econômica por um longo processo de dependência em relação a sua metrópole, dominada pela continuidade das forças do presente e do passado. Nesse ambiente, a revolução burguesa no Brasil foi feita em estreitos limites, entre o passado colonial e o presente neocolonial.
Apesar disso, a burguesia brasileira foi um agente provocador de mudanças, porém de forma limitada, não possuidora do espírito revolucionário presente nas burguesias européias. Desse modo, fez uma transição sem grandes rupturas, de modo tímido, conciliador, se habituando à situação de dependência, a estrutura com limites estreitos dentro da qual ela teve de fazer opções para poder agir.
A obra aponta para a relevância estrutural da predominância de uma estrutura social de estamentos e não de classes a conduzir o processo histórico que estava inserida numa economia colonial tributaria de mando senhorial e da mentalidade tradicionalista e conservadora. A sociedade de classes e a revolução burguesa que ela protagoniza realizaram-se entre nós de forma precária, dependentes de compromissos com o passado persistente e da valorização de estruturas de referência do antigo regime. Um sistema social que ao realizar o modelo de revolução burguesa realiza-o uma orientação oposta ao do modelo europeu, dando de modo singular e problemático. Complexo de relações sociais e de mentalidades orientadas em oposição às demandas ideais da revolução burguesa no país, emergindo daí o máximo de permanência das estruturas tradicionais.
Enfim, trata-se de interpretar o processo histórico de transformação da sociedade brasileira, buscando em nosso passado dependente, escravocrata e periférico, o que acarretou num capitalismo incompleto, tardio e subordinado as metrópoles européias, como se deu de modo específico a transformação operalizada pela mentalidade burguesa nas estruturas políticas e econômicas. O que acarretou num desenvolvimento econômico de forma desigual e retardatário em função das especificidades de suas relações sociais.

A Fidelidade Partidária e o Posicionamento Político de Esquerda do PCB em Questão


A Fidelidade Partidária e o Posicionamento Político de Esquerda do PCB em Questão

(Carta aberta ao Partido Comunista Brasileiro em Agosto/2008 - pcbgo@pcb.org.br / http://www.pcb.org.br)

Dennis de Oliveira Santos

Olá caros membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Nesses últimos dias tenho acompanhado pela mídia as eleições municipais na cidade de Luziânia (GO), e uma informação acerca dessa agremiação partidária me causou surpresa e espanto. O fato é que nesse município o PCB surge na propaganda eleitoral como um partido de apoio a campanha dos candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT) na coligação CORAGEM PRA MUDAR (PCdoB, PCB, PSL, PT, PSB). Notícia que é no mínimo contraditória em relação aos posicionamentos políticos defendidos arduamente pela cúpula nacional desse grupo partidário e por seus respectivos meios de comunicação (site, PCB rádio/tv e etc).


Ao longo desses últimos anos o partido alega ser o mais autêntico defensor das idéias socialistas no país, e como representante majoritário dos ideais de revolução comunista e a ruptura definitiva com os meios de produção do sistema capitalista, aponta o PT como mais um segmento partidário representante da mentalidade “pequeno-burguesa” das elites brasileiras. Em seus discursos e atos públicos alega-se que a “metamorfose política” sofrida pelos líderes petistas na década de 90 até chegar ao poder resultou num esvaziamento de propostas políticas de esquerda dentro desse grupo partidário. O que equivale afirmar que a proposta socialista e democrática do PT se esmaeceu nos últimos anos pela busca pragmática/clientelista do poder. O socialismo tornou-se apenas um ideal ético para melhorar o capitalismo de forma progressiva, e à idéia de que o mercado e o capitalismo são insuperáveis tornou-se uma máxima entre políticos como Luís Inácio da Silva e Tarso Genro.


Outro problema grave apontado é a aliança do PT com partidos considerados redutos da direita brasileira no sentido de manutenção do poder. Quer dizer, a forte burocratização do aparelho dirigente desse partido limita a autonomia de se construir alternativas que rompam com as velhas práticas políticas do poder brasileiro, ações típicas dos grupos de direita. Sem contar que se encontra aí uma concepção patrimonial: a velha prática do “fisiologismo” partidário – momento em que os partidos tornam-se “moeda de compra e venda” para manutenção do poder e interesses específicos/particularistas de seus dirigentes. Enfim, na concepção do PCB, o Partido dos Trabalhadores não apresenta horizontes de mudanças sociais e democráticas para o Brasil em função da perda de seus intuitos socialistas e de sua gradual “metamorfose política” de cunho centrista.


Nesse sentido, a ação do partido em se aliar ao PT em eleições municipais é uma verdadeira contradição com seus princípios comunistas e revolucionários. Acontecimentos da política nacional que demonstra a fragilidade ideológica de nossas agremiações partidárias e a prevalência da mentalidade conservadora/patrimonialista de se estruturar o poder a partir de práticas clientelistas. Ações estas que estão enraizadas no imaginário coletivo do nosso povo e seus respectivos representantes desde o século XIX, época em que apesar das divergências ideológicas e disputas políticas, os partidos simbolizavam a acomodação dos setores sociais abastardos no centralismo político imperial. Desde aquela época, longe de não se distinguirem em termos de composição e ideologia, os partidos políticos brasileiros se revelam como úteis instrumentos para atender as fissuras das elites, mesmo que elas fossem de natureza a provocar apenas reajustes no sistema sóciopolítico do país. Diante dessas considerações, lançam-se as seguintes indagações a serem esclarecidas pelos dirigentes do PCB:


· Por que o PCB se coligou com um de seus principais rivais políticos, o PT, fonte de tantas críticas negativas de seus dirigentes?


· Existe algum interesse particularista/regional por parte dos representantes do partido em Luziânia? E se houver, como diferenciar o PCB de outras agremiações partidárias (que se utilizam práticas clientelistas), se o mesmo abandona seus ideais políticos em detrimento de uma política de alianças com um adversário?


· De que forma o partido pode ser um agente de transformação social das estruturas políticas brasileiras se dentro do mesmo é sustentada velhas práticas patrimoniais no poder?

Lembrando que este questionamento tem a finalidade de levantar um debate e o esclarecimento por parte do PCB. Além disso, ele apenas se origina da curiosidade de um cidadão-eleitor brasileiro, o qual anseia pelo empenho e clareza das propostas políticas de nossos representantes.

Desde já bastante agradecido, e a espera de respostas,

Dennis de Oliveira Santos ( sinnedos1@gmail.com )

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

AQUECIMENTO GLOBAL: DEBATE E ALTERNATIVAS PARA O CEARÁ



AQUECIMENTO GLOBAL: DEBATE E ALTERNATIVAS PARA O CEARÁ

Dennis de Oliveira Santos

APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos, o tema Aquecimento Global alcançou
um lugar privilegiado nas reuniões de dirigentes das grandes
nações mundiais. Conseqüentemente, o debate em torno de
seus efeitos tornou-se mais denso. Quais as origens do
Aquecimento Global? Quais implicações trarão para o planeta?
É possível barrar este fenômeno? São algumas das perguntas
que estão na ordem do dia.
Muitas pessoas pensam que o impacto do aquecimento
global chegará somente no futuro, mas estudos científicos
demonstram que seus efeitos são imediatos, com
conseqüências imprevisíveis. O aumento da temperatura implica
no degelo da camada polar e em uma diminuição considerável e
preocupante da produção alimentícia mundial, numa reação em
cadeia de causa e efeito.
Há um consenso entre os cientistas e pesquisadores de
que a redução dos efeitos do aquecimento global e a adaptação
a eles dependerão de um somatório de medidas. Nesta direção,
a Assembléia Legislativa convida o cidadão cearense para
discutir opções condizentes com o impacto e suas
conseqüências no Estado do Ceará. Para tal, o Parlamento
Estadual pretende envolver ainda a comunidade científica com o
fim de inspirar políticas públicas com alternativas viáveis de
desenvolvimento para o Ceará.
Ampliar o conhecimento sobre os efeitos dessas
mudanças climáticas no Brasil e no nosso Estado, portanto,
constitui objetivo do Parlamento Estadual com o fim de propor
alternativas para enfrentá-las.

Introdução
Há um consenso, entre cientistas e estudiosos do clima,
de que os efeitos da agressão ambiental provocada pelo
homem vêm ameaçando a sobrevivência no planeta. Envolta
por uma camada cada vez mais espessa de dióxido de carbono
(CO2) e de outros gases igualmente tóxicos, emitidos por
fábricas, indústrias, descargas de automóveis, turbinas de
aviões e de outros nocivos agentes poluidores, a Terra vem
dando sinais de que algo vai mal com a saúde do "planeta
azul".
Entre as graves conseqüências que afetam o globo
terrestre destaca-se o desprendimento de blocos gigantescos
de gelo que têm provocado, por sua vez, enchentes de
proporções catastróficas ou ondas de calor, como a que
vitimou, em 2003, quase 30.000 pessoas na Europa.
Vários cientistas alertam para os sinais que estão
surgindo nos oceanos: corais e plânctons morrendo, fato
alarmante, pois constituem a base de toda a cadeia alimentar
subaquática.
O aquecimento global é um fenômeno climático de
larga extensão, que tem implicado um aumento da
temperatura média da superfície da Terra nos últimos 150
anos. Contudo, o significado deste aumento de temperatura
ainda é foco de muitos debates entre os cientistas.
A determinação da temperatura global na superfície da
Terra é feita a partir de dados recolhidos em estações
meteorológicas e nos oceanos. Debatem-se nos meios
acadêmicos se são causas naturais ou antropogênicas
(provocadas pelo homem).
O Painel Intergovernamental para as Mudanças
Climáticas (IPCC), estabelecido pelas Nações Unidas e pela
Organização Meteorológica Mundial, em 1988, no seu
relatório mais recente afirmou que o aquecimento observado
nos últimos 50 anos deve-se a um aumento do efeito estufa
(barreira que impede a dissipação do calor), existindo fortes
evidências de que a ação antrópica (ação do homem) também
causa o fenônemo. Entre as atividades do homem constam,
além do aumento de gases poluentes, outras alterações como,
por exemplo: uso abusivo de águas subterrâneas e de solo
para a agricultura industrial, desmatamentos e um maior
consumo energético, causando poluição.
No caso do Ceará, o aquecimento, numa relação de
causa e efeito, agrava ainda mais as condições climáticas do
semi-árido, com baixas precipitações de chuvas, implicando
alterações no solo, na temperatura e até mesmo no constatável
avanço do litoral em algumas localidades. Essa realidade, por
sua vez, também vai favorecer práticas agressivas no manejo
do meio ambiente. Entre elas destacam-se a proliferação de
desmatamentos e de queimadas, como exemplos de práticas
de degradação ambiental.
Um dos mais graves efeitos desta agressão ao solo é o
fenômeno da desertificação. Constitui, por si só, conseqüência
com nefastos impactos ambientais, econômicos e sociais,
gerando perdas na qualidade do solo, gerando baixíssima
capacidade de armazenamento de recursos hídricos,
ocasionando diminuição na produtividade agrícola, trazendo
prejuízos econômicos e sociais ao Estado.
Acredita-se que a grande maioria destes fenômenos
originou-se, ou de certa forma também foi influenciada por
uma série de desmandos do homem para com o meio
ambiente e, sobretudo, pelo acúmulo de CO2 na atmosfera,
que cria uma espécie de barreira ou efeito estufa, como um
teto que impede que parte do calor do Sol que chega à Terra,
volte ao espaço e se disperse, constatada, nas últimas décadas,
a partir da elevação da temperatura média do planeta em
torno de 1º (grau).
No curso dessa real ameaça à sobrevivência humana
na Terra, inúmeras associações, organizações não
governamentais, entidades, sociedade civil e governos
procuram alternativas viáveis de convivência entre nações, na
procura de saídas de exploração racional dos recursos naturais
e na manutenção do meio ambiente com condições favoráveis
à preservação da vida.
Neste contexto, a Assembléia Legislativa convoca os
cearenses para o debate, para a consciência crítica sobre a
gravidade do aquecimento e para a proposição de leis que
conjuguem desenvolvimento e sustentabilidade: isto é crescer
e gerar empregos sem agredir o meio ambiente.
Nessa discussão, a busca de uma matriz energética
"limpa", não poluente, coloca o Brasil em vantagem por suas
dimensões continentais e quantidade de terras agricultáveis.
Neste particular, o Nordeste brasileiro desponta com potencial
econômico no cultivo da cana-de-açúcar, matéria-prima do
etanol, e abre outras perspectivas com a mamona e a energia
produzida pelos ventos como fontes limpas e alternativas de
energia.

1- Protocolo de Kyoto: os países acordam para o perigo
do Aquecimento Global
Definitivamente, o mundo resolveu escutar os pedidos
de socorro da Terra, a partir do " Protocolo ou Tratado de
Kyoto". Constituiu, assim, passo importante para a cura do
planeta, embora não possa ser encarado como uma panacéia
capaz de afastar todos os riscos oferecidos pelo aquecimento
global à humanidade.
Contudo, parte de sua importância vem do fato de
empresas de países industrializados poderem financiar
projetos de desenvolvimento "limpo" ou não poluentes em
países considerados em desenvolvimento, investindo e
financiando reflorestamentos, reciclagem e tratamento do lixo
e, principalmente, em estudos para a produção de energia
alternativa.
Em outros termos, com oferta de investimento em
"projeto limpo", empresas de países desenvolvidos compram
créditos de carbono de países menos poluentes de forma a
controlar suas emissões de dióxido de carbono (CO2), para
que não ultrapassem o limite estabelecido por Kyoto.
Entretanto, só podem ser negociados créditos de carbono em
projetos que tenham o aval da Organização das Nações
Unidas (ONU). O crédito de carbono custa, em média, seis
dólares por tonelada de dióxido de carbono.
A partir do Protocolo de Kyoto estabeleceu-se um
consenso entre os participantes, de que os países
industrializados deveriam reduzir suas emissões de gases
poluentes. O principal objetivo será, até o ano de 2012, reduzir
os índices poluentes a um nível 5% abaixo daquele verificado
no ano de 1990.
Para vencer esse desafio, contudo, há que se pensar em
alternativas para a eletricidade gerada para uso industrial e
doméstico, obtida pela queima de combustíveis fósseis
(petróleo, por exemplo), bem como para a frota de automóveis
que circula pelo mundo soltando fumaça, ameaçando o
planeta e multiplicando os riscos, sobremaneira, de
aquecimento global.
Num mundo movido a petróleo e a carvão, esse
constitui um desafio de Titãs. Nesse particular, o Brasil, que
detém 16% das florestas do mundo, tem perseguido metas de
diminuição dos desmatamentos e apostado na tendência de
alta no mercado de petróleo para alavancar as exportações de
álcool combustível, além de contar com potencial para o
desenvolvimento de outras alternativas para a produção de
combustível limpo. É neste cenário que surge o Nordeste
brasileiro, sobretudo o Estado do Ceará, onde cana-de-açúcar,
mamona e energia eólica poderão abrir novas frentes para o
desenvolvimento.

2- Aquecimento Global: prováveis conseqüências
Muitos cientistas são taxativos : o aquecimento deixará
milhões de famintos e sem água. Derretimento de geleiras, de
1,1 bilhão a 3,2 bilhões de pessoas sem água, de 200 a 600
milhões de pessoas sem alimentos, inundações vão atingir 7
milhões de residências e o calor será conseqüência de um
aumento de temperatura média de 2 ou 3 graus Celsius
(PAINEL INTERGOVERNAMENTAL PARA MUDANÇA
CLIMÁTICA, 1988). Há ainda a nefasta previsão de
inundações litorâneas que poderão tragar milhões de casas.
Países pobres, como os da África e Bangladesh, seriam
os mais afetados, por serem os menos capazes de lidar com
secas e inundações litorâneas, segundo o referido documento.
Os participantes destes estudos divulgaram relatório
prevendo que, até 2100, a temperatura média do mundo
estará de 2 a 4,5C acima dos níveis pré-industriais, sendo que
a estimativa mais provável é de 3 graus Celsius.
O mesmo documento indica que na Europa, os glaciais
vão desaparecer dos Alpes centrais. A diminuição da área dos
glaciares ocorrida nos últimos 40 anos, deu-se essencialmente
no Ártico, na Rússia e na América do Norte. Na Eurásia
houve, ao contrário, um aumento da área dos glaciares, que se
acredita ser devido ao crescimento de precipitação, enquanto
algumas ilhas do Pacífico deverão ser atingidas pela elevação
dos mares e pela intensificação da freqüência das tempestades
tropicais.
O aquecimento global é um fenômeno climático de
larga extensão e objeto de muitos debates entre cientistas.
Alguns meteorologistas e climatólogos têm afirmado, por meio
de estudos e pesquisas, que consideram fato comprovado que
a ação humana realmente está influenciando na ocorrência
deste fenômeno.
Grande parte da comunidade científica acredita que o
aquecimento observado deve-se ao aumento da concentração
de poluentes na atmosfera que causa um aumento do efeito
estufa. Os gases responsáveis por este efeito: vapor de água,
dióxido de carbono, ozônio e CFC´s provocam a destruição da
camada de ozônio, que por sua vez não consegue filtrar os
raios infravermelhos. Como resultado, os poluentes
atmosféricos agravam este efeito de radiação, causando
aumento da temperatura média da superfície global.
Evidências secundárias são obtidas através da
observação das variações da cobertura de neve das montanhas
e de áreas geladas, da elevação do nível global dos mares, do
aumento das precipitações, da cobertura de nuvens, do El
Niño e outros eventos extremos de mau tempo durante o
século XX.
Estudos divulgados em abril de 2004 demonstraram
que a maior intensidade das tempestades estava relacionada
com o aumento da temperatura da superfície da faixa tropical
do Atlântico. Tais fatores teriam sido responsáveis pela
violenta temporada de furacões registrada nos Estados
Unidos, no México e em países do Caribe.
As previsões são catastróficas, e será necessário grande
trabalho de conscientização e de efetivação de medidas que
possam barrar alguns dos seguintes efeitos: 2.000 quilômetros
quadrados, todo ano, áreas desse tamanho se transformam em
deserto devido à falta de chuvas; 40% das árvores da
Amazônia podem desaparecer antes do final do século, caso a
temperatura suba de 2 a 3 graus; 2.000 metros, foi o
comprimento que a geleira Gangotri (que tem agora 25 km),
no Himalaia, perdeu em 150 anos. E o ritmo está acelerando:
750 bilhões de toneladas é o total de CO2 na atmosfera hoje.

3- Aquecimento Global e o Semi-Árido Nordestino
O Brasil já convive há muito com as conseqüências do
Aquecimento Global: secas, enchentes, espécies de ciclones
no Norte e Sul do País etc. No semi-árido nordestino, esses
efeitos podem estar em relação direta com o fenômeno da
desertificação, no aprofundamento dos ciclos da seca e no
avanço do mar.
O aumento da temperatura no nosso país já é um fato
constatável em ciclos de secas que se apresentaram no Norte,
no Centro e no Sul do Brasil. Se chuva em abundância já é um
fato raro no Nordeste, há a tendência em curso de que as
precipitações no semi-árido diminuirão ainda mais.
Na especificidade do semi-árido nordestino, no qual se
encontra grande parte de nosso Estado, os riscos do
aquecimento são facilmente constatáveis. Aumento da
evaporação prejudicando a agricultura e a capacidade dos
reservatórios de água: os depósitos de água secarão mais
depressa, a umidade do solo diminuirá, acentuando
dificuldades no plantio. Como conseqüência teremos a
redução da biodiversidade, aprofundamento do problema da
desertificação e aumento das secas.
Os cenários nada animadores ainda projetam riscos
para as comunidades litorâneas com o avanço dos oceanos.
Uma mudança neste panorama exigirá programas
educativos para a população ligados à preservação ambiental
e à identificação urgente de perspectivas econômicas para o
semi-árido cearense.
O fomento ao agronegócio parece ser o próximo passo
como alternativa sustentável para a produção rural. No
mesmo sentido, necessitamos de investimentos em energia 4
limpa e renovável. O Parlamento Estadual fará o que estiver
ao seu alcance para apoiar projetos dessa natureza.

4- A Matriz Energética Brasileira e o Nordeste
A sociedade se depara agora com a necessidade de
tomar opções decisivas para o seu futuro na questão da
energia. Assim, é necessário que conheça e compreenda
amplamente a natureza de seus principais problemas, tendose
em conta a problemática do Aquecimento Global.
Estamos vivendo um momento de mudança em que
precisamos intensificar a busca do conhecimento necessário,
bem como saídas para o país e, particularmente, para nosso
Estado. Precisamos refletir processos e efetivar medidas que
considerem as características e peculiaridades do nosso País,
de dimensões continentais, na sua imensa diversidade interregional,
dos aspectos de clima e de desenvolvimento
econômico e social, sobretudo, debater as possibilidades reais
de grande contribuição do nordeste brasileiro na questão
energética.

4.1- Álcool: Combustível Limpo e Renovável
O álcool combustível ou etanol é um produto renovável
e limpo que contribui para a redução do efeito estufa e
diminui substancialmente a poluição do ar, minimizando os
seus impactos negativos ao meio ambiente. No Brasil, o uso
intenso do álcool restringe a emissão de poluentes da
crescente frota de veículos, principalmente de monóxido de
carbono, óxidos de enxofre, compostos orgânicos tóxicos como
o benzeno e compostos de chumbo .
Entre as providências e intenções declaradas no
Tratado de Kyoto, o Brasil destacou a necessidade de aumento
da participação do uso de álcool combustível e a possibilidade
de aumento de sua capacidade hidrelétrica.
Da fabricação do álcool se aproveita quase tudo: a
cana-de-açúcar, matéria-prima, além de permitir a produção
de combustível, oferece o "bagaço" ou fonte de energia nas
caldeiras das usinas, necessário não só em outras
agroindústrias, mas também como fonte de fabricação
nacional de equipamentos para a produção de álcool e
derivados.
Com a experiência acumulada da produção e uso de
álcool em todo o país desde a década de 20 (álcool anidro para
mistura à gasolina), em 1975, dois anos após a problemática
do petróleo, o Brasil apostou no álcool combustível como
alternativa para diminuir sua vulnerabilidade energética e
economizar dólares. Criou programas de diversificação para a
indústria açucareira, apoiados pelo Banco Mundial, fato que
possibilitou a ampliação da área plantada de cana-de-açúcar e
a implantação de destilarias de álcool, autônomas ou anexas
às usinas de açúcar existentes.
A utilização em larga escala do álcool deu-se em duas
etapas: inicialmente, como aditivo à gasolina (álcool anidro),
num percentual de 20%, passando depois a 22%. A partir de
1980, o álcool passou a ser usado para mover veículos como
combustível puro (álcool hidratado). Com o intenso
desenvolvimento da indústria nacional, após o segundo
choque do petróleo, surgiram, com sucesso, motores
especialmente desenvolvidos para o álcool hidratado. Em
1984, os carros a álcool respondiam por 94,4% da produção
das montadoras. Desde 1986, no entanto, afastada a crise do
petróleo, houve um desestímulo à produção até o final dos
anos 90.
A produção de álcool volta à ordem do dia como fonte
de combustível limpo e renovável. Nesse panorama do
Aquecimento Global, cresce, na atualidade, o interesse
mundial por combustível limpo. Nesse contexto, o Brasil
poderá ser beneficiado por produzir álcool, a partir da canade-
açúcar. O álcool combustível, além de contribuir para
minimizar a produção de petróleo, energia fóssil responsável
por considerável emissão de gases causadores do efeito estufa,
gera emprego e renda em diferenciados setores do mercado.
O Nordeste brasileiro tem neste momento
oportunidade histórica pela possibilidade de clima favorável à
produção de cana-de-açúcar em grande escala.

4. 2- Mamona: Alternativa Econômica para o Nordeste
A mamona é uma planta de excelente potencial
energético que pode ser produzida a baixo custo. Poderá,
assim, ser opção econômica rentável, principalmente para
estados da Região Nordeste. O governo brasileiro sinalizou
que essa deve ser a principal alternativa, no ainda tímido,
processo de substituição do diesel brasileiro. Pretende, assim,
realizar programas de grande benefício econômico-social,
assegurando uma contínua fonte de renda para as famílias de
regiões que estejam à margem do processo de
desenvolvimento econômico do país.
Neste cenário, o produtor nordestino será a peça
fundamental no programa de incentivo ao biodiesel, e poderá
ser um dos grandes beneficiados com o plantio da mamona.
Como ainda não se efetivou o Programa de Biodiesel, há
Aquecimento Global: debate e alternativas para o Ceará 23
dúvidas quanto aos incentivos ao produtor, embora não se
possa negar a importância social do plantio da mamona para o
Nordeste brasileiro.
O Parlamento estadual estará empenhado em
demandar políticas agrícolas e industriais, seja através de leis,
seja gerando comprometimento governamental, que venham
a favorecer a produção de mamona em nosso Estado.
Para tal, a sustentabilidade de um programa de
biodiesel, baseado na mamona exigirá fortalecimento
substancial de nossa base agrícola, de suporte para o
desenvolvimento e disseminação de novas variedades.
Para incentivar o plantio, principalmente no Nordeste,
e sobretudo em nosso Estado, não precisaria necessariamente
ligar a mamona ao biodiesel. O plantio da mamona agrega
outros valores como a produção de óleo. A torta de mamona
seria outro benefício na produção de adubos ou como
excelente e nutritivo alimento animal.

4.3- Energia Eólica: Fonte de Energia Renovável
No II Encontro de Energias Renováveis (2000),
realizado em Brasília, foi admitida como meta realística para
energia eólica a instalação no Brasil, até 2005, de 1.000 MW
de geração eólica.
A instalação de quatro turbinas de 300 KW no Ceará
como doação da Alemanha, dentro do Projeto Eldorado, bem
como a concorrência aberta pela COELCE, que levou a
iniciativa privada a instalar 20.000 KW de geradores eólicos,
representam o começo de um processo de familiarização com
esta fonte de energia.
Ao longo da costa do Ceará foram medidos ventos de
grande constância e intensidade média de 7m/s, que bem
aproveitados podem assegurar nove vezes o atual consumo de
energia do Estado. A COELCE atuou de forma criativa,
atraindo a iniciativa privada por meio de uma licitação em que
fixava dois fatores essenciais: a garantia de compra da energia
gerada e o preço do MW/h. Todos estes fatos colocam nosso
Estado na frente quando o assunto diz respeito às
possibilidades de conquista de Energias Renováveis a partir
da Energia Eólica.
O Governo Federal tem feito inúmeros esforços para a
divulgação das vantagens do uso das energias renováveis,
quer no atendimento de regiões isoladas, distantes das
grandes redes de transmissão e distribuição de energia
elétrica, quer como fonte limpa de energia, conectada a redes
convencionais.
No aspecto social, a energia gerada pela força dos
ventos poderá levar melhores condições de vida à população
rural. No aspecto ambiental, torna-se possível a redução de
emissões de gases que provocam o efeito estufa.
O Parlamento Estadual irá promover esforços para a
implementação de Centros de Referência de Energia Eólica
no nosso Estado, uma vez que reunimos condições climáticas
favoráveis para tal, além de contarmos com experiências
animadoras nesta particularidade.
Na mesma direção, promoverá debates e seminários de
conscientização de empresários e da sociedade em geral, da
importância de investimentos neste setor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS : CEARENSES CONSCIENTES
DO AQUECIMENTO GLOBAL
O Aquecimento Global constitui um fenômeno de larga
extensão, causado, quase em sua totalidade, pela ação
humana (desmatamentos, queimadas, poluição das águas, uso
de energia fóssil em demasia etc) e que está em franco
movimento há uns 200 anos, desde que se iniciou a Revolução
Industrial.
A atmosfera terrestre possui uma quantidade pequena
de gases (gás carbônico, metano, vapor d´água) que
desempenham papel fundamental, pois impedem que a Terra
perca calor, como um cobertor térmico que evita que a
temperatura do planeta seja negativa.
A queima de carvão, madeira, petróleo para gerar
energia de forma descontrolada acumulou gases em demasia
na atmosfera, aquecendo além do necessário e aumentando a
temperatura do planeta. Com a superfície aquecida, geleiras
são derretidas, aumentando o nível do mar.
Em síntese, todo o planeta está sendo perturbado pelos
efeitos do aquecimento. Caso não haja mudanças rápidas nas
políticas de preservação e o cidadão não começe a incorporar
outros hábitos, como a reciclagem de lixo, o uso racional da
água e mais respeito ao meio ambiente, a vida no mundo
poderá se tornar insuportável com altas temperaturas,
enchentes e escassez de água potável etc.
Há, portanto, que se empreenderem esforços
educativos na conscientização de que as ações humanas têm
ligação direta com as conseqüências destes fenômenos. Nesse
particular, a Assembléia Legislativa pretende contribuir com a
sociedade não só informando, mas debatendo e buscando
alternativas para diminuição de emissões de gases nocivos,
estudando projetos que incentivem a produção de energia
renovável, buscando legitimar novas ações que reorientem
nosso desenvolvimento econômico.
Nosso Estado se encontra submetido aos efeitos do
aquecimento: erosão, desertificação, avanço do litoral.
Existem projeções de secas intensas em menores períodos de
tempo, rapidez na evaporação d´água com ciclos agrícolas
mais breves, aprofundamento de áreas de desertificação etc.
Existe risco eminente de que o semi-árido, daqui mais um
século, possa transformar-se em um semi-deserto.
As ações, entretanto, começam por nós, sociedade,
parlamento, no esforço mundial de diminuição das emissões
dos gases nocivos. Estamos abrindo aqui o diálogo com a
comunidade acadêmica, governo, empresários, estudiosos do
clima. Enfim, não há mais tempo a perder!!

BIBLIOGRAFIA
ÁLCOOL: combustível limpo e renovável. Disponível em:
.
Acesso em 07/03/2007 às 10:57
AQUECIMENTO GLOBAL. Disponível em:
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STEMMER EÓLICA Notícias - Quais as perspectivas reais
da energia eólica no Brasil? Disponível em:
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conseqüências. Disponível em:
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TOLMASQUIN, Maurício T.; SZKLO, Alexandre S. A Matriz
Energética Brasileira na Virada do Milênio. Disponível em:
. Acesso em 07/03/2007 às
09:52.

ORÇAMENTO, FISCALIZAÇÃO E CONTROLE: INSTRUMENTOS DE CIDADANIA POLÍTICA



ORÇAMENTO, FISCALIZAÇÃO E CONTROLE: INSTRUMENTOS DE CIDADANIA POLÍTICA

Dennis de Oliveira Santos

APRESENTAÇÃO
Avaliar, controlar, fiscalizar e apreciar são funções
do Poder Legislativo por intermédio dos quais se torna
possível controlar as contas públicas, evitando perda e
irregularidades e, sobretudo, garantindo o acesso do
cidadão aos seus direitos fundamentais.
Trata-se, portanto, de função constitucional
imprescindível à transparência da aplicação do dinheiro
público, e, principalmente, tendo papel ativo na
prevenção de comportamentos irregulares ou de má fé,
de agentes públicos ou de terceiros, quanto aos fins
desses recursos.
Na ação de fiscalizar e de controlar, o Parlamento
Estadual assegura, assim, a lisura de todo ciclo
orçamentário e a efetivação das demandas da sociedade.
Nesse particular, os interesses da população
devem constituir e motivar a própria razão de ser dos
atos do Poder Legislativo Estadual em todas suas
incumbências e determinações constitucionais. Mais do
que isso, o exercício da política deve propiciar o
desenvolvimento de uma sociedade democrática, na qual
os cidadãos sentem-se representados e confiantes da
aplicação dos recursos públicos.

RESUMO
O Orçamento Público é documento legal, no qual
o Poder Legislativo autoriza ao Poder Executivo realizar
despesas necessárias ao funcionamento dos serviços
públicos, bem como para outros fins destinados aos
investimentos. O orçamento é instrumento eficaz no
fortalecimento da cidadania, desde que haja um controle
sistemático e eficiente na fiscalização das contas
públicas para garantir acesso aos direitos do cidadão.
Neste particular, a Assembléia Legislativa, através de
suas Comissões Técnicas, entre outras atribuições,
controla e fiscaliza a aplicação dos recursos garantindo a
efetivação de direitos sociais.

INTRODUÇÃO
Na história política do Brasil, percorrendo diversas
situações, o tema corrupção retorna constantemente ao
centro das discussões. Este assunto constitui fenômeno
que vem ocorrendo desde o Período Colonial,
enfraquecendo a democracia brasileira e provocando a
sistemática desconfiança da população em relação às
diversas instâncias do poder público e suas
determinações como representantes da sociedade.
Quando se fala em corrupção, a primeira medida
de natureza preventiva deve ser o controle e fiscalização
rigorosos desde o orçamento até a aplicação do recurso
público.
Compete às Comissões Permanentes e,
particularmente, a Comissão de Fiscalização e Controle,
avaliar, controlar, fiscalizar e apreciar os gastos públicos,
não permitindo irregularidades no trato dos recursos.
O Orçamento constitui mecanismo fundamental
de planejamento e gestão como método utilizado para
coordenar despesas e receitas públicas imprimindo-lhes
organização. É um documento legal, aprovado por lei,
contendo a previsão de receitas e a estimativa de
despesas a serem realizadas pelo governo, em certo
exercício.
O Orçamento não tem, por si só, o poder de evitar
desperdícios ou eventuais desvios de recursos, quando
esse é manipulado por agentes públicos e/ou terceiros
que agem de má fé. É por intermédio dos mecanismos
de fiscalização e de controle, portanto, que se aperfeiçoa
e se fortalece a democracia.
Assevera-se, assim, através da mediação da
Fiscalização e do Controle, o fim último do orçamento, o
acesso do cidadão aos seus direitos fundamentais.

1.- A IMPORTÂNCIA DA FISCALIZAÇÃO E DO
CONTROLE DO PODER EXECUTIVO
O verbo orçar, quando se refere ao Poder Público,
diz respeito ao ato de planejar ou, ainda, a execução e a
aproximação dos objetivos de diferentes políticas que
devem ser planejadas, geridas e, posteriormente,
efetivadas por meio da administração pública.
Em outros termos, pode-se afirmar que o
Orçamento Público constitui um ato de exclusividade do
Poder Executivo, ou seja, ação de iniciativa do governo
(federal, estadual, municipal), na qual o Legislativo
também participa, propondo sugestões, emendas e a
aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA).
Ao longo do processo de aplicação desses recursos
ou por intermédio das ações de Fiscalização e de
Controle, a Assembléia Legislativa pode avaliar contas
12 Orçamento, Fiscalização e Controle:
da administração pública (direta ou indireta), rever a
economicidade de certos projetos e programas,
providenciar perícias, acompanhar obras públicas, evitar
desperdícios, garantindo, assim, a boa aplicação dos
recursos e dos investimentos previstos no orçamento.
É determinação constitucional que os objetivos de
toda política orçamentária devem ser geridos no sentido
de corrigir falhas ou distorções, com o fim de manter a
estabilidade da economia e de melhorar a distribuição de
renda, alocando recursos com mais eficiência.
Por meio do controle rigoroso de todo ciclo
orçamentário torna-se possível a fiscalização da eficácia
dos projetos de programas sociais na efetivação dos
direitos do cidadão. Nesse particular, as análises e os
diagnósticos são ações fundamentais empreendidas pelo
Parlamento Estadual porque são capazes de coibir e
prevenir a corrupção.

2.- FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DO CICLO DO
ORÇAMENTÁRIO ESTADUAL
O Governo Federal tem o prazo de até o dia 15 de
abril de cada ano para encaminhar a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) ao Congresso Nacional, a qual
deve ser aprovada até o dia 30 de junho do mesmo ano
do exercício de determinado governo.
A Lei de Responsabilidade Fiscal3 acrescentou
anexos à LDO acerca da condução da política fiscal,
visando gerar mecanismos para alocação e na
distribuição de recursos que atuem na estabilização da
economia. Neste particular, a política fiscal objetiva
aumentar a renda ou o Produto Interno Bruto (PIB),
aquecer a economia e, ainda, promover uma melhor
distribuição de renda.
A Lei Orçamentária Anual (LOA) estima receitas e
autoriza despesas do governo de acordo com a previsão
da arrecadação. Englobam os orçamentos: fiscal, de
investimentos das empresas estatais e da seguridade
social. Se, durante o exercício financeiro houver
necessidade de realização de despesas acima do limite
previsto na Lei, o Poder Executivo submete ao Congresso
Nacional um novo projeto de lei solicitando crédito
adicional.
Conforme o art. 203 da Constituição Estadual, o
Estado programará suas atividades financeiras, segundo
as leis de iniciativa do Poder Executivo que contemplam
o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e os
Orçamentos Anuais.
O Plano Plurianual contém projeções a serem
executadas em um período de quatro anos. Deverá ter
ingresso na Assembléia Legislativa até 30 de setembro
do ano que precederá o exercício inicial a ser atingindo.
Ao receber o projeto, a Assembléia examina,
encaminha e oferece sugestões de acordo com as
necessidades provenientes das diversas regiões do
Estado, que por sua vez deverão contar com a
participação de entidades representativas, através de
seus respectivos Conselhos Deliberativos. Tais sugestões
devem ser feitas e enviadas dentro de um prazo de 45
dias.
O projeto também conta com exame e
modificações apresentadas pelas Comissões Técnicas da
Assembléia Legislativa. Uma vez feitas as sugestões,
essas devem ser encaminhadas para votação e
devolvidas para a sanção do governador, até o
encerramento do período legislativo do ano que
precederá o exercício inicial a ser atingido pela sua
vigência. O Plano Plurianual deve ser aprovado pela
maioria absoluta dos deputados.
O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias
(PLDO) deverá ser encaminhado à Assembléia até o dia
dois de maio do ano que precederá à vigência do
orçamento anual subseqüente. A elaboração deverá estar
concluída em 60 dias, exigindo-se também, a maioria
absoluta dos deputados para sua aprovação. O Projeto de
Lei Orçamentária anual deve ser submetido ao
Legislativo Estadual, observando o prazo máximo de 75
dias do início de sua vigência. As emendas sugeridas ao
PLDO não poderão ser aprovadas se incompatíveis com
o Plano Plurianual (PPA).
A finalidade do PPA, em termos orçamentários, é a
de estabelecer metas e objetivos, os quais comprometem
a participação dos poderes Executivo e Legislativo nos
programas de distribuição de recursos. Funciona, pois,
como uma espécie de carta de intenções da
administração pública. Uma vez aprovado, torna-se
válido para os anos subseqüentes do mandato de
determinado governante.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) prioriza
e tem como base as metas do PPA, bem como orienta os
orçamentos anuais. A partir da LDO, os governos
elaboram sua proposta orçamentária para os anos
seguintes.
A Constituição de 1988, trouxe avanços, no
sentido de contribuir com a transparência dos atos
16 Orçamento, Fiscalização e Controle:
públicos na gestão e na aplicação dos recursos, mas é
nos atos de fiscalização e de controle que o Poder
Legislativo aperfeiçoa as diretrizes orçamentárias,
legitimam as metas do PPA e garante as
responsabilidades do Poder Público para com o cidadão.
O controle serve ao exercício da política no
combate à corrupção. A forma como o governo aplica e
controla o dinheiro orçamentário é assunto do Poder
Legislativo em conjunto com o Tribunal de Contas do
Estado em defesa dos interesses da população.
A Assembléia Legislativa, entre outras
determinações, tem a função constitucional de fiscalizar
o Executivo. Assim, não sacramenta o Orçamento sem
saber, em primeiro lugar, o que está aprovando, e, em
segundo lugar, indaga e debate sobre a eficácia dos
programas. Para tal conta com as prerrogativas da
fiscalização e do exercício do controle para acompanhar
projetos de perto, analisando indicadores e produzindo
diagnósticos. Constitui função essencial na efetivação do
acesso aos direitos do cidadão, uma vez que atua com o
fim último da boa aplicação dos recursos públicos,
segundo as demandas da sociedade.

3- OBJETIVO DA FISCALIZAÇÃO E DO CONTROLE:
O CIDADÃO
De acordo com a Constituição Federal, são os
objetivos a serem alcançados pela República Federativa
do Brasil:
Art. 3° (...)
I. construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II. garantir o desenvolvimento nacional;
III. erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades regionais;
IV. promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Tais fins, portanto, devem constituir e motivar a
própria razão de ser dos atos dos Poderes Públicos em
todas suas instâncias. Mais do que isso, o exercício da
política deve propiciar o desenvolvimento de uma
sociedade democrática, na qual os cidadãos sentem-se
representados pelos dirigentes públicos e como
mandatário e fim último da gestão e da aplicação dos
recursos públicos.
Desse modo, as funções de fiscalização e de
controle do Poder Legislativo devem ser muito mais do
que simples mediação que atua na aproximação da
Assembléia Legislativa com os órgãos dos Poderes
Judiciário e Executivo. Devem vigorar como
instrumentos do exercício da cidadania, através dos atos
dos representantes da população no Parlamento
estadual, no acompanhamento e na efetivação dos
investimentos públicos, isso é, na garantia de que as
demandas da sociedade serão contempladas com as
políticas públicas.
Contudo, as prerrogativas acima também irão
implicar uma participação popular mais ativa nas
Audiências Públicas, nas reuniões das Comissões
Tecnicas, exercendo seus direitos de fiscalização e de
controle dos atos do Parlamento na efetivação dos
direitos sociais fundamentais.
Instrumentos da Cidadania. 19
Com efeito, um eficiente controle dos fins dos
gastos públicos, considerando as finalidades últimas da
democracia brasileira, deve articular-se a questão da
defesa dos interesses do cidadão. Através do exercício
político e da participação popular, tornam-se possíveis
controle e fiscalização eficientes das políticas públicas.
Na mesma direção, tornam-se os atos do Poder Público
mais transparentes e, ainda, previne-se a mazela da
corrupção, ao mesmo tempo, torna capaz a conquista de
direitos fundamentais ao exercício da cidadania plena.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: PODER LEGISLATIVO E
CIDADANIA
Entre os diversos mecanismos de aperfeiçoamento
da democracia, destacam-se o Projeto de Iniciativa
Compartilhada1 e o Orçamento Participativo2. Esse
último é um mecanismo simples e eficaz na efetivação
dos direitos do cidadão porque legitima uma prática
governamental transparente. Por meio deste
instrumento, o destino de parte dos recursos do
orçamento público é decidido, coletivamente, em
reuniões comunitárias abertas ao público.
As necessidades de escolas, de habitação, de
pavimentação de ruas, de hospitais e postos de saúde
possam ser sempre demandas escolhidas por meio da
participação popular, requerendo ainda a fiscalização e o
controle, para a certeza de suas efetivações enquanto
direitos sociais.
Mas tais ações não correspondem apenas a um
simples exercício de controle de receitas e despesas e de
sua aplicação, mas pode constituir-se em verdadeira
experiência democrática indispensável na prevenção de
atos de corrupção. Por estas particularidades, o Poder
Legislativo Estadual tem papel ativo na consolidação dos
direitos do cidadão.
Os atos do Poder Executivo, controlados e
fiscalizados pelo Poder Legislativo, possibilitam efetiva
legitimação dos interesses da população no espaço
político institucional do Parlamento, pois cria interfaces
de interlocução entre os demais poderes e a sociedade,
na avaliação da eficácia das políticas públicas.
Nessa perspectiva, alça à democracia
representativa e os respectivos representantes eleitos
pelo voto à condição de legítimos agentes políticos na
efetivação e acesso aos direitos sociais fundamentais
necessários ao exercício pleno da cidadania.
A grande questão seja a de como conciliar as
ações da Assembléia Legislativa com as reais demandas
populares. Em outros termos, a promoção da interação
democracia participativa e a democracia representativa.
Aqui, faz-se importante à compreensão de que a
participação direta da população não se constitui em
negação da democracia representativa. Ao contrário,
assevera também ao cidadão o poder de fiscalização e de
controle ativos, através do acompanhamento das ações
de seus representantes por via democrática e, esses
últimos, com o dever constitucional de garantir a boa
aplicação dos recursos públicos e de tornar a ação
parlamentar mais transparente.
As funções de fiscalização e de controle do
Legislativo asseguram ao cidadão a boa aplicação dos
investimentos públicos, resgatando a confiança da
população e construindo novas alternativas e espaços de
interfaces de comunicação Parlamento/cidadão que
certamente redundarão não só na superação de antigas e
atrasadas práticas de malversação do dinheiro público,
mas na aproximação povo e Legislativo.
Dentre as alternativas na construção de novos
espaços de comunicação Parlamento e sociedade,
destacam-se o obrigatório cumprimento dos orçamentos,
exercício e aperfeiçoamento das práticas de controle e de
fiscalização e, por fim, garantir acesso dos cidadãos às
informações de seus interesses.

BIBLIOGRAFIA
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Brasília: Jornal Correio Brasiliense, 15/02/2007.
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TOURAINE, Alan. Podemos viver juntos? Iguais e diferentes.
São Paulo: Vozes, 1997. Corrupção – Fiscalização e Controle .