A Judicialização da Política e o abalo da Democracia Brasileira
por Dennis de Oliveira Santos
Após os
recentes acontecimentos dentro do sistema judiciário brasileiro, só existem duas
afirmações plausíveis sobre a democracia no país: já vivemos um estado de exceção
ou o lawfare utilizado por nossos juristas nos aproxima cada vez mais de uma “ditadura
branda” orquestrada pelos togados em conluio com uma poderosa elite que também
manipula os outros dois poderes.
A
ideia ocidental de três poderes independentes e seguindo apenas os preceitos
constitucionais é cada vez mais abalada por um ativismo judicial bastante
intervencionista nas esferas políticas. A invasão dos tribunais sobre a ordem
política é grave porque se perde um controle heterogêneo do poder. Pois quem
elabora as leis é o mesmo que aplica, se torna um “feudo autossuficiente”, um
verdadeiro atentado ao princípio da separação dos poderes porque retira da
esfera política a sua possibilidade de ação.
A
crise institucional e a não representatividade popular nas casas legislativas e
executivas gerou um clamor (principalmente entre a classe média) para que os
Tribunais resolvessem os casos envolvendo corrupção por parte dos agentes
públicos. No entanto, o que se observa é a manipulação do sistema legal, com
aparência de legalidade, para fins político-partidários. Para pensar essa
parcialidade jurídica basta observar como os magistrados tratam casos de corrupção
entre agremiações partidárias distintas.
Ao
mesmo tempo em que se condena o ex-presidente Lula (num processo bastante criticável
por suas ações e diante da dúvida sobre as provas materiais que o incrimine), o
atual presidente Temer não é julgado pelas casas judiciárias, ignorando provas concretas
e amplamente divulgadas para a opinião pública em que o mesmo é gravado em
ligações telefônicas que direcionam para ações corruptíveis. O mesmo silencio
judicial se repete em relação ao parlamentar Aécio Neves, o qual apresenta
vários indícios de ações irregulares e com um amplo relato de provas que o condenariam
facilmente.
Se
a comparação for feita entre caciques políticos e populares, o elitismo e
partidarização da política fica mais aviltante. Em 2017, um oficial de justiça
vai entregar uma intimação a Renan Calheiros, o presidente do Senado. O
político alagoano deixa o representante da lei esperando horas e não recebe a
intimação. No mesmo período, um outro representante judiciário vai à casa de
700 famílias pobres em São Paulo acompanhado pela tropa de choque da PM -
acontecimento em que pessoas humildes são humilhadas e expulsas de seus lares.
O
funcionamento da justiça brasileira mostra seu viés partidário/arbitrário em um
novo capítulo. Enquanto foram feitas tentativas de condenar sem provas
materiais políticos investigados pela operação jurídica mais famosa no país,
Claudia Cruz, esposa do já condenado Eduardo Cunha é inocentada (ignorando os
cheques nominais assinadas pela própria, o que constata o uso ilegal de
dinheiro público). Isso aponta para um Poder que dependendo da posição política
tenta punir a todo custo (infringindo as próprias regras que deve zelar).
Enquanto que no outro lado tem um tratamento no mínimo suspeito e diferenciado
- como é o caso do arquivamento de denúncias contra o político paulistano Serra.
Existem provas
materiais coletadas durante o indiciamento de Cunha em que sua esposa manteve
movimentação bancária no exterior e usufruiu do dinheiro público desviado pelo
esposo. Apesar desses dados a condenação dela não foi levada adiante. Além
disso, no mesmo dia em que esposa do ex-parlamentar foi inocentada, uma mulher,
moradora da periferia teve sua liberdade negada por furtar ovos de pascoa em um
supermercado. O Estado em suas três facetas é um balcão de negócios da
burguesia, partidarizado, com pesos e medidas distintas quando combate o crime
entre as diversas classes sociais.
Em outras ocasiões,
a Lava Jato não conseguiu encontrar José Sarney e Claudia Cruz para intimá-los
a depor. Enquanto isso, reitores de universidades foram processados e expostos
publicamente por terem se manifestado contra o impeachment de Dilma Roussef. Esses
acontecimentos somam-se a um longo silêncio do nosso judiciário numa série de
outros inquéritos sem a devida investigação. Alguns desses casos inclusive
prescreveram tamanha a inercia dos “homens da capa preta” em relação aos
mesmos. Isso se aplica ao caso do helicóptero carregado de cocaína, o escândalo
do metrô paulista por parte de governos tucanos, o desvio de verba pública nas
merendas das escolas paulistas, a agressão do governo do Paraná a professores e
o aeroporto público construído em terreno particular numa cidade mineira.
As decisões técnicas,
pautadas no conhecimento jurídico são deixadas de lado para operacionalizar ações
dubitáveis quanto a sua capacidade de comprovação no tocante a materialidade nos
crimes investigados. Os juízes passam por cima das leis, extrapolam-nas como
senhores de um poder absoluto e incontestável, os verdadeiros donos do poder. E
dificilmente são penalizados. Quando são afastados de seus cargos continuam a
receber elevadas remunerações (muito acima do teto acordado pela lei), sem
contar o recebimento de auxílio moradia (mesmo tendo seus próprios imóveis). Os
magistrados comportam-se como políticos partidários e ainda usufruem
indevidamente de verbas públicas pagas revoltosamente pelos contribuintes.
É uma gama de
atitudes rumo a intensificação da judicialização da política: a lei como
instrumento para conectar meios e fins partidários. O abuso de direito com o
intuito de prejudicar a reputação de adversário políticos. A promoção de ações
judiciais ou arquivamento das mesmas para desacreditar ou blindar figuras
políticas. A operação Lava Jata não é um
combate a corrupção - se fosse todos os políticos e partidos envolvidos em
corrupção seriam julgados da mesma forma. A justiça atende a interesses de uma
elite que quer se perpetuar no poder. Como existe o risco de um líder popular
ser eleito através do processo eleitoral e interferir em seus interesses privatistas,
manobras institucionais são feitas para impedir que isso seja concretizado.
Nossa história se repete, assim foi com Goulart, JK e Vargas - a elite que não
aceitou perder seus privilégios foi capaz de sabotar os preceitos democráticos,
os interesses comuns da nação em nome da prevalência de seus interesses econômicos.
A bandeira do
combate à corrupção é uma fachada moralista para impor manobras
antidemocráticas que concretizem objetivos que não seriam alcançados pela via
eleitoral. Vem sendo realizado um projeto político conduzido minuciosamente
pela elite econômica com a finalidade de assegurar para si a condução
ideológica da sociedade e barrar direitos que possam ser oferecidos as camadas
populares (o que iria diminuir os seus lucros). Isso é muito claro quando as
condições laborais foram precarizadas com a reforma trabalhista, instante em
que direitos foram retirados da população, desobedecendo a Constituição de
1988, mas com aval do Poder Judiciário. O mesmo aconteceu com a diminuição do
salário mínimo e o corte de gastos nos serviços públicos. O ódio
institucionalizado às classes subalternas é a mais concreta de todas as nossas
singularidades sociais. E isso já contaminou a pretensa neutralidade dos nossos
juízes.
Um comentário:
Pois é...o mais incrível e ver que a grande massa não percebe essas manobras...
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