por Dennis de Oliveira Santos
O projeto de lei defendido pelo governo
Temer, no qual se pensa em diminuir o número de disciplinas ofertadas no ensino
médio e “enxuga-las” em grandes áreas é um retrocesso para o ensino público
brasileiro. O primeiro equivoco que assinala isso é que essa intenção
governamental fere os princípios constitucionais e os existentes na LDB (lei de
diretrizes e bases da educação) sobre o tema. Isso porque os dois dispositivos
jurídicos definem que as escolas no ensino médio devem ser integradas à
educação profissional via uma leitura de mundo interdisciplinar nas diversas
áreas do conhecimento.
De acordo com a Constituição e os mais
modernos parâmetros pedagógicos sobre o assunto, o aluno deve, minimamente, ao
final do ensino médio ser capaz de elaborar uma leitura das questões sociais ao
seu redor ao mesmo tempo que saiba utilizar os conhecimentos das ciências
exatas para compreender os fenômenos físicos e químicos do meio ambiente. É uma
visão pluralista e integrada na qual o jovem tenha conhecimentos básicos nas
várias áreas do saber para ser um cidadão atuante em sua sociedade e saiba
compreender problemas de diversas “naturezas”.
Apesar disso, nessa reforma proposta, o aluno
irá para o ensino superior com uma formação deficitária. Pois, se ele optar por
estudar ciências humanas terá um grande desconhecimento das áreas de química e
física, por exemplo. Optando pelas ciências exatas, não saberá fazer uma
leitura de questões sociais em geral e como funciona as estruturas políticas.
A perda educacional é terrível, pois o
projeto aí proposto se parece muito com o que foi praticado no início do século
XX – época em que as pessoas eram meramente formadas para o mercado de
trabalho, de forma tecnicista, com baixa capacidade crítica e de participação
nos assuntos públicos importantes para o país. Se queremos uma sociedade cada
vez mais democrática e participativa na “coisa pública”, vamos então justamente
retirar os instrumentos necessários para isso? Esse projeto de lei quer
instituir a educação enquanto mero preparo para o campo de trabalho e tirar da
sociedade a possibilidade plural dela interpretar e compreender o mundo em
diversas áreas do saber.
Esse modelo é inspirado nos Estados Unidos, o
qual se sabe amplamente que é um sistema bastante ineficaz comparado com o
europeu. O norte americano médio é extremamente atávico em relação ao mundo
justamente por esse "enxugamento de matérias". A população norte
americana tem grande dificuldade quando o assunto é entender as relações
culturais fora de seu país – muitas vezes simplesmente desconhecem, reproduzem
preconceitos sobre culturais alheias por desconhecimento das mesmas. É desse
ambiente que se gera uma massa de manobra a qual aceita que seu governo estabeleca conflitos internacionais entre diversos povos.
Os choques culturais como do Oriente Médio e
guerras como a do Iraque nascem do desconhecimento dessas realidades
sociais por parte dos filhos do Tio Sam. Se eles são pragmaticamente bem preparados
para o campo de trabalho, o mesmo não acontece no tocante a cidadania e valores
humanitários em geral. É necessária uma educação que equilibre essas duas
facetas das necessidades humanas.
Outro equívoco levantado é
o fato de que o adolescente está numa fase da vida que não tem maturidade suficiente para
escolher disciplinas e curso de graduação, muitas vezes só escolhe o curso
universitário quando encerra o ensino médio. Para que isso seja
operacionalizado seria necessário que as instituições educacionais tivessem o
apoio de psicólogos, os quais auxiliariam os jovens
rumo a formação profissional. Em tempos políticos que o governo congela por anos os
investimentos nas áreas públicas e repete um mantra neoliberal de corte com
gastos sociais dificilmente esse suporte profissional será instituído pelo
poder executivo.
O ensino integral é de fato positivo, mas não
há estrutura alguma em nossas escolas para efetivar esta ação. E mais, da forma
que está sendo sugerido estas mudanças vão aprofundar o abismo entre ricos e
pobres – será mais um instrumento para a perpetuação da desigualdade social. Pois
hoje se sabe que adolescentes pobres usam o contra turno escolar para
trabalharem (mesmo que de modo informal) para complementarem a renda familiar. Para
enxergar isso mais de perto basta fazer um perfil dos alunos das escolas
públicas durante o período noturno.
O que pode acontecer nesse contexto? Ao invés
de ser elaborado um sistema de ensino que zele pela universalização desse
direito fundamental, teremos um sistema com maior evasão escolar por parte das
camadas mais baixas por questões financeiras. Enquanto do outro lado será
perpetuado a lógica do “estudante profissional” - na qual adolescentes de
classe média tendo todas as benesses de instituições privadas e dois turnos do
dia para se dedicarem ao ensino continuarão ocupando as vagas dos cursos
universitários que deveriam ser oferecidas aos mais humildes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário