terça-feira, 26 de agosto de 2008

A Revolução Burguesa Brasileira: uma interpretação sociológica da sociedade e Estado no Brasil


A Revolução Burguesa Brasileira: uma interpretação sociológica da sociedade e Estado no Brasil

Dennis de Oliveira Santos


Introdução
Escrito no ano de 1975, a obra intitulada A Revolução Burguesa do Brasil, de autoria do sociólogo Florestan Fernandes, a partir de uma interpretação histórico-sociológica do Brasil, trouxe uma nova visão teórica para o pensamento social brasileiro de sua época. A preocupação central desse livro está relacionada ao fato de como o capitalismo se desenvolveu no Brasil: são as especificidades da consolidação desse processo econômico, instaurada de forma lenta e gradual no país, de forma bem adversa ao que ocorreu nos países europeus, que será o eixo central de discussão teórica tecida pelo autor.


O Processo da Revolução Burguesa no País

A história da burguesia brasileira não surge com a colonização, esta tem um aparecimento tardio e dependente, optando por assimilar formas econômicas, sociais e políticas do mundo ocidental moderno. Dessa forma, o caráter revolucionário da burguesia estritamente brasileira, deve ser vista a partir de determinadas particularidades sócio-econômicas, diferentemente das revoluções burguesas que aconteceram na Europa.
Nesse sentido, o país passou a ser burguês e capitalista a partir de um de um certo momento da sua história, bem posterior ao seu descobrimento. Foi um momento histórico de transição da época dos senhores, sob a hegemonia das oligarquias agrárias, para a era burguesa, quando a hegemonia foi compartilhada entre aquela oligarquia e o novo grupo social que surgia, que era burguesia.
Não houve um confronto de estrutura entre a antiga e a nova ordem, elas apenas se uniram. Assim, a burguesia recém formada não entrou em conflito com a aristocracia agrária, foi uma espécie de oposição dentro da ordem, instante em que se comprometia-se com tudo o que lhe fosse vantajoso a essa novo grupo social. Ajustou-se à tradição, preferindo a mudança gradual e a composição a uma modernização vigorosa. Os grupos oligárquicos também por sua vez, baseados em acordos e compromissos, modernizou-se e também criou seus aspectos de burguesia. Houve desta forma, associações vantajosas, as coisas não se desenrolaram politicamente, pela tomada do Estado oligárquico, mas sim, economicamente.
A burguesia local produziu a sua revolução em uma economia colonial, periférica e dependente. O capitalismo brasileiro é se deu de forma dependente aos interesses da colônia portuguesa, o que consequentemente afetou a sua burguesia. O livro constata, a partir de exemplos empíricos, que no Brasil Colônia não havia condições e processos econômicos que sustentassem o pleno funcionamento dos modelos econômicos trazidos dos grandes centros mundiais, sua intenção era a de apenas manter e intensificar a incorporação dependente da economia brasileira. Portanto, não houve no Brasil uma ruptura com os grupos dominantes locais, nem com os países centrais, o desenvolvimento socioeconômico foi se moldando e se acomodando como certo tipo de imposição de dentro para fora pela economia capitalista mundial.
Essa revolução burguesa tinha o intuito de realizar a implantação de uma economia capitalista independente, nacional, sendo esta sua aspiração final. Para se obter este resultado, o mercado interno deverá se fortalecer e se tornar autônomo, ter hegemonia sobre o mercado externo: as relações de produção deveriam se tornarem totalmente capitalistas, momento em que a organização da produção deveria se racionalizar, o Estado deveria se burocratizar racionalmente. Eis aí o sentido final da ação da burguesia na história das estruturas políticas e econômicas do país.
Porém, essas burguesas aspirações obtiveram outros resultados em função das especificidades da estrutura das relações sociais reinantes naquela época. Percebe-se a veracidade dessa idéia quando Florestan alega que a realidade brasileira tem seu ritmo específico, os quais impõem obstáculos ao seu desenvolvimento autônomo. Em tal ambiente, a burguesia fica numa posição dependente. Sendo assim, a burguesia brasileira teve de reduzir o alcance de sua revolução, limitando o seu impulso transformador: é o que se pode chamar de restrição do campo de sua atuação.
Diante disso, a burguesia atuava em condições muito adversas em vista do passado, que era atado a uma dependência estrutural capitalista. Esse tipo de sistema econômico engendrado deixou poucas alternativas à burguesia. O que acarretará na concepção de que a dominação burguesa no Brasil fugirá do modelo clássico europeu, não será nacional e democrática, mas dependente e autoritária. Porém, esta se faz necessária para possibilitar o desenvolvimento capitalista e consolidação da dominação burguesa. Para discutir de forma mais pormenorizada as idéias presentes nesse clássico da sociologia brasileira, observemos dois processos sociais por qual passou essa burguesia: o processo político e o econômico.


O Processo Político
O capitalismo e o seu agente apareceram no Brasil, entre 1808 e 1822. Eles apareceram ligados ao comércio e não à produção agrícola exportadora e nem à produção manufatureira ou industrial. O comércio passou a ser controlado de dentro; os controles externos da economia colonial transferiram-se para o interior da nova economia nacional que se implantava, trazendo o espírito burguês, a concepção burguesa do mundo. Houve uma mudança significativa na relação da economia brasileira com o sistema econômico externo, após a extinção do estatuto colonial e a constituição de um estado independente.
Não foi a emancipação nacional, mas a renovação da independência, a sua articulação sobre novas bases e em outros termos. Isso não impede que a independência tenha representado uma revolução social, a primeira que se operou no Brasil. Ela representou o fim da era colonial e o ponto de referência para a sociedade nacional, com ela inaugurada. Muitos não lhe atribuem valor, por ter persistido a ordem social interna colonial e por ter sido produzida sem a participação das massas. Apesar de isso ser verdade e limitar seu alcance transformador, Florestan Fernandes, vê neste fato, que a extinção do estatuto colonial teve um sentido econômico-social revolucionário.
Com ela instaurou-se uma sociedade nacional, o poder deixará de ser uma imposição externa para organizar-se a partir de dentro, com elementos brasileiros, apesar da nova dominação inglesa. As elites do Brasil poderão atuar sem o controle da coroa portuguesa.
A independência só não foi violenta porque, por coincidência, pelas circunstâncias da história européia, a corte foi obrigada a se transferir para o Brasil. Ela já era uma necessidade histórica. As elites não queriam mudar a ordem social colonial, só queriam controlá-la de dentro. A independência não foi e nem poderia ter sido feita de maneira mais coletiva e agressiva. Ela foi uma realização das elites que pretendiam tornar interno o poder e controlar diretamente o comércio de seus produtos. Não foi, para Florestan Fernandes, uma revolução social, embora tenha dado início à revolução burguesa. Foi ao mesmo tempo um movimento revolucionário, a busca de uma sociedade autônoma; e conservador, a preservação e a consolidação da ordem social colonial, pois as elites não possuíam condições materiais e morais para enquadrar o padrão de autonomia necessário a uma nação. Apesar disso, havia um elemento transformador, dinâmico. As idéias liberais, que foram selecionadas eficazmente e ofereceram às elites a argumentação racional contra a condição colonial e pela emancipação. Elas ofereceram forma e conteúdo às pretensões igualitárias com a metrópole, por um lado, e por outro redefiniram as relações de dependência que continuaram a vigorar entre o Brasil e o mercado externo.
Desse modo, a independência impôs o domínio senhorial sobre a nação. As possibilidades de mando por parte do senhor extrapolaram o seu domínio rural. O poder senhorial atingiu o novo estado nacional, que integrou os interesses de todos os senhores agrários locais e regionais em um interesse nacional. O senhor se transformou em cidadão. Com idéias liberais circulando por outras razões, mais econômicas e políticas, passaram também a circular idéias sociais: a de direito, liberdade individual, de justiça, de progresso... Essas idéias liberais não selecionadas pelas elites, oferecerão argumentos às lutas contra a escravidão e pela democracia que, então começaram. Elas alimentaram uma utopia revolucionária. A independência revelou o caráter duplo do liberalismo, dependência nova em relação ao exterior e caminho novo de autonomia, não de um povo ainda, mas das elites.
Além do mais, esse processo de revolução burguesa foi impedido pela mentalidade tradicional, que era hegemônica nas relações socais. Isso se deve ao fato em grande parte a escravidão, que adquiriu nesse ambiente, um sentido em nome do lucro, e portando, em nome da inserção marginal do Brasil no amplo processo de reprodução do capital na época. O sistema escravista gerou uma estrutura social vigorosa, produziu instituições duradouras e engredou mentalidades que tenderam a persistir após a independência do país. Diante desses aspectos históricos, os novos sujeitos sociais (a burguesia em formação), tenderam em boa parte a se tornarem também agentes de uma aparência nova das velhas e persistenes estruturas da sociedade brasileira.
A democracia não era então uma condição geral da sociedade. Pois a mentalidade local, mesmo passando por processos transformadores oriundos da nova mentalidade burguesa, dava continuidade de certa forma a dominação estamental. Ou seja, no período de extinção do estatuto colonial e da implantação da monarquia constitucional, estava-se mais comprometido com a defesa da propriedade privada, da escravidão e de outros componentes tradicionais do status quo, do que criar mecanismos de integração nacional e a instauração de autonomia econômica local. O que demonstra que a estrutura patrimonial permanecia a mesma, pois continuava a se manter sobre a escravidão e a dominação tradicional. Enquanto isso, a ideologia liberal se impunha num momento de forma indecisa e que não fomentou grandes rupturas nas estruturas sociais.


O Processo Econômico
O processo econômico foi o segundo processo desencadeador da revolução burguesa, houve uma mudança nas relações entre a economia brasileira e o neocolonialismo. Os agentes estrangeiros que comercializavam os produtos brasileiros antes da independência assumirão, após, o controle da antiga colônia sem riscos políticos. A exploração colonial passou a ser, agora, estritamente econômica. O produtor brasileiro e o importador estrangeiro discutiam quem ficaria com a maior parcela econômica.
O produtor brasileiro começou a aspirar à internalização da fase de comercialização. Mas não podia ainda exercê-la. Ele teve de se adaptar a essa hegemonia econômica. Quanto aos comerciantes estrangeiros, intermediários entre o produtor e os importadores europeus, aceitaram internalizar até certo ponto o comércio que realizavam, integrando o Brasil no sistema capitalista mundial, retirando o produtor brasileiro da posição marginal que ocupava. Essa nova relação de dependência perdeu o sentido político se tornando, sobretudo econômica. O produtor brasileiro tornou-se um sócio menor. A dependência foi preservada, mas as relações com o exterior se alteraram. A nova economia nacional que emergia possuía novas funções e se articulava de forma nova com o mercado mundial. O neocolonialismo foi um fator de modernização econômica de fato, alterando a economia interna em suas articulações com o centro.
O novo país foi preparado para montar e expandir uma economia capitalista dependente. Ganhou um 'status' próprio na organização da economia mundial. Nessa nova posição, podia absorver padrões de comportamento econômico, moderna tecnologia, instituições econômicas e capital. O processo concentrou-se na esfera das atividades mercantis e financeiras. Foi nessa esfera que houve a internalização de operações que antes ocorriam fora. O controle externo da economia interna processava-se sob forte identidade de interesses, lealdade e simpatia. Esse controle externo era indireto, à distância e impessoal. Os negócios de exportação e importação não eram percebidos como uma relação de dependência econômica.
A revolução burguesa acelera-se somente no século XX, com a industrialização, a Revolução de 1930 e vários episódios de golpes de Estado e de exclusão pela força dos movimentos populares. A burguesia brasileira é dotada de um espírito modernizador, mas o restringe à esfera econômica. A dominação burguesa no Brasil é autocrática. Foram à oligarquia tradicional agrária aliada à elite dos negócios comerciais e financeiros que decidiram, e não as classes industriais, o que deveria ser a dominação burguesa na prática. Desde o início, essa revolução excluiu a população brasileira do acesso ao poder político e das conquistas democráticas. O liberalismo político foi esquecido ou pormenorizado, só o econômico foi praticado. A burguesia brasileira é estruturalmente contra-revolucionária. O autor mostra que interesses divergentes passaram pelo filtro das concessões e ajustamentos mútuos, cancelando ou reduzindo drasticamente o impacto revolucionário do deslocamento dos interesses dominantes da burguesia. A unidade de classe assume tom ultra conservador, facilmente polarizado por valores e comportamentos reacionários, e até profundamente reacionários.
Florestan Fernandes entende, porém, a revolução burguesa não como um episódio histórico, mas como um fenômeno estrutural, que não segue um caminho único. Ou seja, ela seria um processo dinâmico, que ocorreria de acordo com as diferentes escolhas realizadas pelos agentes humanos no âmbito econômico, social e político. Portanto, se trataria fundamentalmente de estudar o “estilo” específico que a revolução burguesa assume no Brasil.

A periferia do capitalismo possuiria traços estruturais e dinâmicos que caracterizariam a existência de uma economia mercantil, se não os tivesse não seria capitalista. No entanto, diferenças se superporiam a essas uniformidades fundamentais, tornando o desenvolvimento capitalista dependente, subdesenvolvido e imperializado. Seriam precisamente essas diferenças que caracterizariam o típico da dominação burguesa e da transformação capitalista na periferia. Por um lado, como “não há ruptura definitiva com o passado”, ele reapareceria, cobrando “seu preço” Por outro lado, a revolução burguesa apareceria vinculada a mudanças decorrentes da expansão do mercado capitalista e dos dinamismos das economias centrais.

Em termos mais históricos, Florestan Fernandes considera a independência como a primeira grande revolução brasileira. Ela delimitaria o fim da era colonial e o início da formação da sociedade nacional. Desde então, o poder deixaria de ser imposto de fora para ser organizado de dentro, as camadas senhoriais impondo seu domínio para além do nível doméstico.
Por outro lado, se manteria a estrutura econômica e social da colônia. Estaria presente, assim, desde a independência, uma polarização dinâmica representada pelo estabelecimento de uma organização jurídica-política autônoma com a conservação da ordem social da colônia. O primeiro elemento, revolucionário, teria agido no plano da política, abrindo caminho para a formação da sociedade nacional. Já o elemento conservador, teria pressionado pela manutenção da antiga estrutura social.
A intimidade entre os dois aspectos seria tanta que se teria estabelecido um verdadeiro amálgama entre o novo, a organização jurídico-político, e o velho, seu substrato material, social e moral. A independência, ao não entrar em conflito com a estrutura da sociedade colonial, levaria à superposição dos planos de poder. Portanto, a ordem legal conviveria com a dominação tradicional estabelecendo uma dualidade estrutural.
Em outras palavras, se criaria, desde a independência, uma situação de fusão do velho com o novo. Essa fusão seria, além de tudo, funcional para o tipo de capitalismo praticado na periferia do sistema. O capitalismo se superporia ao que existia anteriormente, se aproveitando das condições extremamente favoráveis de acumulação original, herdadas da colônia e do período neocolonial. Como resultado, conviveria com formas econômicas extra-capitalistas, de onde seriam extraídas parte do excedente econômico que financiaria a modernização.
Assim, não se chegaria a ser concretizada, ao longo da evolução do capitalismo no Brasil, a superação de formas econômicas não capitalistas e a ruptura da associação dependente com o exterior. Apareceria aí um padrão de desenvolvimento típico do capitalismo dependente e subdesenvolvido. Ele se caracterizaria por uma dupla articulação, manifestada externamente, pela dominação imperialista e, internamente, pelo desenvolvimento regional desigual.
Isto é, haveria, a partir da independência, uma unificação das classes possuidoras, que acabariam por se identificar com uma visão de mundo e um estilo de vida burguês. Não seriam, porém, apenas seus interesses materiais que a oligarquia garantiria, sendo ela também que determinaria a repressão ao escravo e ao proletariado como eixos principais da revolução burguesa no Brasil. Num outro sentido, a associação com a oligarquia faria da burguesia brasileira uma classe ultra-conservadora e mesmo reacionária, o que abriria caminho para o padrão autocrático de dominação.
Seria em torno do Estado que as classes dominantes brasileiras se unificam, até porque por meio dele seus interesses poderiam ser universalizados. Essa orientação apenas repetiria um padrão mais geral. Mas de forma específica, a pressão externa, exercida pelo imperialismo, criaria um tipo particular de impotência burguesa que faria com que fosse em direção ao Estado que convergisse a ação burguesa, contribuindo para que o elemento político ganhasse importância. Tudo isso faria com que nessa situação a dominação burguesa e a transformação capitalista obedecessem a um “eixo especificamente político”.


Considerações Finais
Através dessa obra, observa-se que a realidade social brasileira passou na esfera político-econômica por um longo processo de dependência em relação a sua metrópole, dominada pela continuidade das forças do presente e do passado. Nesse ambiente, a revolução burguesa no Brasil foi feita em estreitos limites, entre o passado colonial e o presente neocolonial.
Apesar disso, a burguesia brasileira foi um agente provocador de mudanças, porém de forma limitada, não possuidora do espírito revolucionário presente nas burguesias européias. Desse modo, fez uma transição sem grandes rupturas, de modo tímido, conciliador, se habituando à situação de dependência, a estrutura com limites estreitos dentro da qual ela teve de fazer opções para poder agir.
A obra aponta para a relevância estrutural da predominância de uma estrutura social de estamentos e não de classes a conduzir o processo histórico que estava inserida numa economia colonial tributaria de mando senhorial e da mentalidade tradicionalista e conservadora. A sociedade de classes e a revolução burguesa que ela protagoniza realizaram-se entre nós de forma precária, dependentes de compromissos com o passado persistente e da valorização de estruturas de referência do antigo regime. Um sistema social que ao realizar o modelo de revolução burguesa realiza-o uma orientação oposta ao do modelo europeu, dando de modo singular e problemático. Complexo de relações sociais e de mentalidades orientadas em oposição às demandas ideais da revolução burguesa no país, emergindo daí o máximo de permanência das estruturas tradicionais.
Enfim, trata-se de interpretar o processo histórico de transformação da sociedade brasileira, buscando em nosso passado dependente, escravocrata e periférico, o que acarretou num capitalismo incompleto, tardio e subordinado as metrópoles européias, como se deu de modo específico a transformação operalizada pela mentalidade burguesa nas estruturas políticas e econômicas. O que acarretou num desenvolvimento econômico de forma desigual e retardatário em função das especificidades de suas relações sociais.

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