quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A Falácia da Neutralidade do Conhecimento e seus Aspectos Ideológicos



A Falácia da Neutralidade do Conhecimento e seus Aspectos Ideológicos

Dennis de Oliveira Santos

A suposição de que as noticias emitidas pela mídia em geral e o conhecimento como um todo são isentos de condicionamentos ideológicos, de que os jornalistas e cientistas são imparciais em seus relatos jornalísticos e pesquisas, e que, seus escritos não possuem claras referências ao status quo reinante da época; é um mito que é perpassado para imaginário coletivo do senso comum.



A concepção dos intelectuais neutros torna-se emblemática quando pensamos num conto infantil alemão, que serve para ilustrar essa conflitante pretensão de neutralidade: conta-se que, certo dia, um homem, conhecido como Barão de Munchhausen, num de seus passeios a cavalo, afundou num pântano. E cada vez mais ele afundava e, como não havia ninguém para socorrê-lo, ele teve a brilhante e mágica idéia de puxar a si mesmo pelos cabelos, até que conseguiu sair, juntamente com o seu cavalo daquele atoleiro.



O dilema que este mito nos traz é de que os intelectuais (cientistas, jornalista, literatos, etc), mesmo presentes num meio social cercado de valores, conseguem isolar-se deste mundo que os cerca. Porém, mesmo que este grupo pensante tentasse neutralizar os valores socialmente estabelecidos, eles não conseguem, e acabam servindo ideologicamente às classes dominantes da sociedade de sua época.



Ao invés desta polêmica concepção, deve-se refletir que as diversas formas de conhecimento não se desenvolvem no vácuo social, em função da despretensiosa acumulação de informações, conceitos e teorias. Nossas opiniões, inclusive as de cunho artístico ou cientifico, são determinadas pela situação histórica e social de nosso tempo. Sempre há uma relação sociológica entre as manifestações intelectuais e valores socialmente determinadas por um grupo.



Neste contexto, surgem então às ideologias, entendidas como visões de mundo, meios de construção de valores coletivos. E a analise destes elementos auxilia a verificar que as produções literárias por parte de intelectuais, conduzem a justificação ou interligação com valores morais e políticos de uma esfera social.



E para conceituar o termo ideologia, utilizaremos o teórico Karl Mannheim. Sociólogo que, sofrendo a influência de Max Weber (1992), ao ser aluno de seu irmão, Alfred Weber (LALLEMENT, 2004), alarga os estudos da sociologia compreensiva alemã; tendência sociológica que busca compreender interpretativamente a ação social dos indivíduos e, explica-la em seus efeitos e significados intencionais de seus agentes. Assim, ele desenvolve uma nova disciplina sociológica, a sociologia do conhecimento (GEWANDSZNAJDER, 2001): que alega que todo o ato do conhecimento não resulta apenas da consciência puramente teórica, mas também de inúmeros elementos de natureza não teórica, oriunda da vida social e das influências ao qual o indivíduo está sujeito.



Mannheim desenvolve em sua obra, uma tese impregnada de sentido: todo o pensamento é um processo determinado por forças histórico-sociais. Assim, as ideologias seriam modos de pensar que refletem os interesses de um grupo dominante, que prevalecem numa organização social, que justificam determinadas ações em nome da preservação do status quo reinante.



Porém, o teórico baliza seu estudo com o auxílio de uma dupla definição de ideologia. Segundo ele, o termo possui duas significações: a particular e a total. A concepção particular de ideologia corresponde a uma análise de idéias no âmbito psicológico, centrada nos interesse dos indivíduos, instante em que as idéias expressam por um sujeito possuem a finalidade de sua existência: seus valores e posicionamentos são interpretados à luz da situação de vida de quem os expressa. Essa noção particular não estaria de acordo com os interesses sociais, mas estaria relacionada a um interesse pessoal de um indivíduo, em sua mera noção de articular uma mentira ou ilusão de um opositor; o que estaria fadado a ser incompleto na análise do processo de construção do conhecimento. É o que afirma Mannheim:

A concepção particular da ideologia realiza suas análises de idéias em um nível puramente psicológico. (...) As idéias expressadas pelo individuo são dessa forma encaradas como funções de sua existência. Isto significa que opiniões, declarações, proposições e sistemas de idéias não são tomados por seu valor aparente, mas são interpretados à luz de vida de quem os expressa. (...) São disfarces da realidade que estaria em desacordo com seus interesses. Tais distorções podem ser mentira conscientes ou dissimuladas. (...) A primeira pretende que este ou aquele interesse seja a causa de uma dada mentira ou ilusão (MANNHEIM, 1968, p. 82-85).

A concepção total de ideologia consiste em atribuirmos ás formações intelectuais não aos indivíduos que lhe sustentam, mas considera-las como construções de um conhecimento que é o reflexo de um estado social, historicamente fundamentado, que possui o objetivo de justificar a ordem social vigente. Esta noção refere-se numa análise de ideologia enquanto o pensamento revela uma correspondência com a situação de um grupo social. Ao invés de se analisar as afirmações no âmbito psicológico, visa-se analisa-la como funções de sua base social. Novamente nos remetamos ao teórico supra citado:

Com a concepção total de ideologia, a questão é diferente. Quando uma época histórica atribuímos um mundo intelectual e a nós mesmos atribuímos outro, ou quando um certo estrato social, historicamente determinado, pensa com categorias diferentes das nossas, não estamos referindo a casos isolados de conteúdo de pensamento, mas a modos de experiência e interpretação amplamente diferentes e a sistemas de pensamento fundamentalmente divergentes. (...) Correspondendo a esta diferença, a concepção particular da ideologia opera principalmente com uma psicologia de interesses, enquanto a concepção total utiliza uma análise funcional mais formal, sem quaisquer referências a motivações, confinando-se a uma descrição objetiva das diferenças estruturais das mentes operando em contextos sociais diferentes (MANNHEIM, 1968, p. 83).

Assim, atinge-se desta forma, um nível teórico mais completo acerca da estrutura conceitual do pensamento. Vejamos novamente o que diz Mannheim:

Atingimos a um nível teórico ou noológico sempre que consideramos não apenas o conteúdo, mas a igualmente forma, e, mesmo, a estrutura conceitual de um modo de pensamento, como uma função da situação de vida de um pensador (MANNHEIM, 1968, p. 103).

Dada à noção objetiva do conceito de ideologia, sugere-se que devamos reconhecer o processo do conhecimento como um conhecimento relacional, que só pode ser formulado com referência á posição do observador ao se defrontar com a tarefa de discriminar o que num dado conhecimento seja falso ou verdadeiro. É o que detecta-se quando percebemos que:

Uma teoria moderna de conhecimento que considere o caráter relacional como distinto do caráter meramente relativo de todo o conhecimento histórico deve partir da suposição de que existem esferas de pensamento em que seja impossível conceber uma verdade absoluta, independente dos valores e da posição do sujeito, e sem relações com o contexto social (MANNHEIM, 1968, p. 83).

Aprofundada a análise, o problema agora é reformulado, baseado numa tentativa de demonstrar como a história do pensamento em seus suportes intelectuais, se vinculava a estas formas de experiência: delineia-se a íntima relação entre pensamento e esfera social. Por exemplo, as notícias emitidas acerca do cotidiano político nacional pela mídia, que são efetuadas pelos grupos empresariais detentores dos meios de comunicação, freqüentemente, trazem em sua gênese, um viés ideológico que tende a preservar um status quo de determinados grupos dominantes no cenário político do país, grupo o qual os detentores da mídia estão filiados. Assim, ao invés do senso comum formar uma opinião pública reflexiva ou menos “tendenciosa” acerca de algum acontecimento político, acaba gestando um posicionamento que reflete ideologicamente as vontades de grupos políticos dominantes do país, fruto da parcialidade tendenciosa criada pelos jornais e programas televisivos.



Torna-se evidente que esta inter-relação é uma forma mais completa de análise, pois o mundo se compõe numa estrutura historicamente determinada, podendo ser rompido ou ter relações com outras esferas da atividade humana, a qualquer momento. Portanto, visa-se analisar as ideologias provenientes das atividades intelectuais correspondentes a estrutura da sociedade, que varia com relação as classes sociais. Percebendo que estas idéias não são um mero ajuntamento causal de experiências fragmentárias dos membros isolados de um grupo social, mas sim uma totalidade integrado num sistema de pensamento objetivadas à partir dos interesses de uma dada classe social.

Referências Bibliográficas:

GEWANDSZNAJER, Fernando (org.). O Método nas Ciências Naturais e Sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2ed. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2001.

LALLEMENT, Michel. História das Idéias Sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2004.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e Utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.

WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1992.

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