terça-feira, 19 de outubro de 2010

Ações e Perspectivas Políticas para a Estruturação da Nova Sudene



Dennis de Oliveira Santos

A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) foi criada no ano de 1958, durante o governo de Kubitschek, visando contornar os efeitos das secas e instaurar políticas públicas para a região Nordeste do país. A partir da iniciativa e planejamento do economista Celso Furtado (1981), o qual foi o primeiro superintendente desse órgão, visava-se colocar em pauta nacional os problemas sociais e a marginalização que os estados do semi-árido nordestino sofrem em relação à União. Tinha-se a finalidade de gerar políticas públicas na região que estimulassem a economia local e diminuísse as diferenças entre as classes sociais.

Porém, a partir da década de 60, essa instituição governamental foi perdendo gradativamente o seu papel de planejamento devido a diversos impasses sócio-políticos. Um desses fatores foram as constantes denúncias de corrupção ocorridos nesse órgão: os projetos eram apresentados pela Sudene e aprovados às dezenas, mas muitos desvios de recursos ocorriam, como empresas que recebiam por obras que nunca terminavam de construir. Tipo de prática internalizada desde a época colonial na região diante dos frágeis sistemas de fiscalização estatal (ALVES, 2003).

Dessa forma, a política contra as secas e pelo desenvolvimento nordestino foi sendo gradativamente desarticulada. Soma-se aos fatores anteriormente discutidos, o forte espírito patrimonialista (FERNANDES, 2006) presente na mentalidade coletiva, que foi apta a superlotar o órgão com a criação de cargos desnecessários. Os coronéis, grandes latifundiários locais, cooptaram cargos de alto escalão da instituição em nome da preservação de seus interesses particulares. Fato do cotidiano político brasileiro que é atestado empiricamente com a expulsão de Furtado do cargo de superintendente, pois o mesmo colocou em risco com sua administração do órgão a persistência da indústria das secas que assola milhares de pequenos agricultores do semi-árido brasileiro (FURTADO, 1998).

Com o tempo, os ideais de planejamento político proposto pela Sudene foram suprimidos pelas constantes “politicagens” e insucesso de alguns de seus projetos: gerou-se parques industriais nos estados mas não se deslocou o mercado consumidor desses bens do eixo Sul-Sudeste para as cidades nordestinas. Apesar da dissolvição da Superintendência, essa instituição foi fundamental para alteração do perfil econômico nordestino, quantificando-se avanços expressivos no processo de industrialização.

Após o seu fim, a “questão regional” foi abandonada pelos intelectuais e a administração pública. O apogeu desse silêncio se deu na década de 90, época marcada por uma profunda marginalização aos problemas do Nordeste. O problema da pobreza nordestina foi afastado dos círculos do poder em face do reformismo neoliberal que colocou a economia brasileira em crescente recessão (BIONDI, 2001).

Porém, a partir do ano de 2006 a Nova Sudene foi fundada a partir do projeto de lei número 76, de 2003, na forma do artigo 43 da Constituição, destinada a promover o desenvolvimento includente e sustentável para o semi-árido brasileiro. Esse instrumento jurídico definiu planos e metas sócio-econômicas para a base produtiva local. A partir dessa lei, haverá a articulação do órgão junto ao Banco do Nordeste para juntos financiarem macro-projetos como a transposição do rio São Francisco e a construção da Transnordestina.

Além disso, a Nova Sudene terá o papel de planejar junto ao Governo Federal o orçamento da União para recursos voltados aos estados nordestinos, executando ainda projetos de geração de emprego e renda, saneamento básico, redução de taxa de analfabetismo, etc. Sem contar o grande avanço no que condiz a formação do conselho deliberativo dessa reformulada instituição, que será mais democrática ao ser composta por governadores, empresários e por representantes de movimentos trabalhistas.

Apesar de todo esse avanço institucional amparada por lei, o órgão enfrentará diversos problemas para que tenha êxito em suas políticas públicas. Pois o planejamento da União é feito de modo setorial, por ministério, e não de forma regional, o que cria hierarquias que distanciam ainda mais os governantes de agilizarem projetos para região. O que também cria uma burocracia que atrasa o recebimento de verbas por parte dos estados locais em função das intermediações que existem nesse processo. A instituição também terá apenas dois por cento de um bilhão de recursos para existir. Além disso, a transferência de renda ainda é feita de maneira incrementar, e não de um setor produtivo para o outro no país.

Mas o principal paradigma que deve ser colocado em pauta na reestruturação da Superintendência deve ser a inserção de modo mais democrático da sociedade civil no planejamento de seus projetos e metas. O diagnóstico da modernização regional deve ser buscado na emancipação dos interesses da política e do Estado, o que pode ser construído no fortalecimento da sociabilidade pública responsável, investida contra o que seria o atraso oriundo do comportamento patrimonialista.

Para se alcançar essa conquista é necessário garantir (algo já proposto na lei) e incentivar a participação dos sindicatos e movimentos trabalhistas no conselho deliberativo e diversas outras áreas da Sudene. O que formaria uma hegemonia dessa classe social (GRAMSCI, 2002), que é um exercício político capaz de coordenar de forma homogênea os interesses políticos da sociedade civil, agora organizada a partir de determinados objetivos em comum a seus membros. Desse modo, o ambiente de sociabilidade estaria propício a fomentar uma cultura de fiscalização (SPECK, 14/09/2005), instante em que se criariam e aperfeiçoariam os mecanismos de controle fiscal dos gastos públicos.

A hegemonia de setores da sociedade civil dada de modo institucionalizada e participativa no processo de decisões auxiliará para que a retomada do planejamento do Nordeste não volte a ser pensado de modo tecnicista, super-hierarquizado e tutelado por uma visão empresarial voltada apenas para o mercado. Para se alcançar o desenvolvimento social da é necessário que se articule a economia com a questão social, rompendo entraves históricos ao traçar projetos junto a mobilização popular: capazes de atenderem as camadas mais necessitadas dos habitantes do semi-árido.

No passado, o extremo interesse no incentivo fiscal e a falta de planejamento no âmbito da economia rural foram fatores para a desestruturação da Sudene. Para que isso não se repita deve-se somar junto à inserção da sociedade civil, ações e projetos que sejam executados sem serem isolados do plano da União. Corrigindo assim, o individualismo entre os estados locais e a persistência de oligarquias/multinacionais no plano decisório de políticas públicas.

Objetivamente, a pobreza no Nordeste brasileiro não se combate apenas pela demanda da tecnologia, é preciso mais. A miséria é verdadeiramente vencida dando-se poder aos pobres, tornando esses sujeitos auto-suficientes ao nível de iniciativas para a sua transformação social. Mas esse processo de formação de uma sociedade civil organizada não acontece rapidamente, num passe de mágica. É um longo trajeto, repleto de crises e dificuldades, pois o poder não se dá nem se recebe, conquista-se a partir de diversas lutas e da gradativa mudança da mentalidade coletiva.


Referências Bibliográficas

ALVES, Joaquim. História das Secas: séculos XVII a XIX. Fortaleza: Biblioteca Básica Cearense, 2003.

BIONDI, Aloysio. Brasil Privatizado. São Paulo: Perseu Abramo, 2001.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2006.

FURTADO, Celso. O Brasil Pós-Milagre. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

______. Seca e Poder. São Paulo: Perseu Abramo, 1998.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

SPECK, Bruno. Corrupção Global. São Paulo: Revista Istoé, número 1874, 14 de Setembro de 2005.

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