terça-feira, 19 de outubro de 2010

As Relações Entre Tempo e Espaço na Produção Cinematográfica do Século XXI



por Dennis de Oliveira Santos

Resumo

Esse trabalho visa refletir como se dá à representação social da condição pós-moderna na produção cinematográfica do século XXI: discute-se como essa nova interação social reconfigura o sentido do tempo e do espaço na sociedade contemporânea. A partir da compreensão do paralelo entre o imaginário advindo dos filmes e esse tipo de sociabilidade atual, propõe-se traçar uma reflexão de como esses dois itens (tempo e espaço) geram uma intensa fase de transformações sociais, pensando nesse contextos sobre suas construções e conseqüências sociais no mundo globalizado.

Palavras chave: cinema, pós-modernidade, tempo, espaço, século XXI.

Abstract

This work aims at to reflect as if it gives the social representation of condition of postmodernity in the cinematographic production of century XXI; arguing as this new social interaction it reconfigures the direction of the time and the space in the society contemporary. From the understanding of the parallel the imaginary one happened of the films enters and this type of current sociability, to trace a two reflection of as these itens (time and space) generate an intense phase of social transformations, reflecting there on its constructions and social consequences to the globalization world.

Keywords: movie, postmodernity, time, space, century XXI.

Considerações Iniciais

O mundo como delírio social, o espaço urbano desarticulado, dilatado, repetitivo. O tempo tornado efêmero, programado e tarifado. Eis aí o atual ambiente globalizado, essencialmente constituído pela pós-modernidade, instante em que os usos e significados do tempo e espaço alteram-se em função da flexibilidade que este novo modo de sociabilidade impõe. Essa mudança, baseada em uma intensa fase de inovações tecnológicas e a prática da descartabilidade das coisas, gera por conseqüência, a diversificação dos valores da sociedade que, em sua essência, encontra-se em vias de fragmentação.

Diante desse contexto, as produções cinematográficas do século XXI, que são sucessos de bilheterias mundiais, acenam de certa forma para esta nova interação e significação que o homem tece acerca do tempo e do espaço. Sendo assim, visa-se através de uma perspectiva sociológica, baseado numa compreensão do paralelo entre o imaginário oriundo dos filmes, e a condição pós-moderna, analisar os significados sociais das relações entre o tempo e espaço que se articulam na trama das produções cinematográficas.

Metodologia

Adota-se metodologicamente os estudos da sociologia compreensiva em função dessa tendência das ciências sociais ser a mais adequada para o caso em estudo. Tal escolha deve-se ao fato de que este procedimento metodológico busca compreender interpretativamente a ação social dos indivíduos e explicá-la em seus efeitos e significados intencionais de seus agentes.

Para essa tendência, o objetivo essencial da sociologia é a captação da relação de sentido da ação humana, ou seja, chegar a conhecer um fenômeno social quando o compreende como fato carregado de sentido que aponta para outros fatos significativos. Esse sentido, quando manifesta-se, é o que dá a ação o seu caráter concreto, quer ele seja do âmbito político, religioso ou econômico. Nesse contexto, cabe ao sociólogo ter como objetivo a compreensão desse processo, desvendando os nexos causais que dão sentido a ação social em determinado contexto. Ou seja, a sociologia compreensiva efetiva-se metodologicamente na busca de compreender interpretativamente a ação social dos indivíduos e explicá-los em seus efeitos e significados intencionais de seus agentes (WEBER, 1992).

No caso em questão, propõe-se analisar como os significados acerca do tempo e espaço são efetuados pelas personagens dos filmes, percebendo as referências diretas e indiretas que os mesmos fazem sobre o tema. Foram escolhidas duas produções cinematográficas que atingiram os altos índices de bilheterias, sendo um do gênero maravilhoso (SENHOR DOS ANÉIS, 2001) e outro do gênero realista (TERMINAL, 2004). Para uma maior compreensão e embasamento teórico a respeito do atual momento globalizado, utiliza-se também, os estudos sobre a pós-modernidade, procurando a partir de certas reflexões teóricas delinear características concernentes ao tempo (HARVEY, 1994) e ao espaço (AUGÉ, 1994) desta época.

Refletindo Acerca do Imaginário

Para analisar as produções cinematográficas em questão, deve-se considerá-las como produções artísticas advindas de construções imaginárias acerca da realidade. Porém, o que vem a ser imaginário? As imagens que os homens tecem sobre as coisas não são fatos concretos em si, o que ocorre na atividade cognitiva. A imagem que é obtida a respeito de um objeto não é o próprio objeto, mas apenas uma faceta que se conhece sobre esta coisa externa ao homem. Esta imagem é marcada pelos sentimentos e experiências que o ser humano obtêm em relação ao mundo externo.
Sendo assim, elas são mais uma representação simbólica sobre a realidade, cerceada de intenso subjetivismo ao invés de serem descrições exatas da realidade, as quais consigam captá-la através de um procedimento exclusivamente criterioso e racional.

As representações são símbolos que representam a realidade ao ser, sem ter necessariamente, um vínculo exclusivo com seu campo empírico captado. Daí surge o imaginário, que está em constante liberdade, o qual rompe com os limites do real e propicia uma nova concepção ou abordagem sobre questões que ela representa. Fundamenta-se essas afirmações quando percebe-se que:

O real é a interpretação que os homens atribuem à realidade. O real existe a partir das idéias, dos signos e dos símbolos que são atribuídos à realidade percebida. As idéias são representações mentais de coisas concretas e abstratas (LAPLANTINE, 2003, p. 12).

Assim, o imaginário é uma das interpretações simbólicas do mundo, que possui o diferencial da possibilidade de criar relações e imagens que não são provenientes diretamente das percepções sensoriais. Vislumbrando-se essa premissa de forma conceitual, alega-se que:

O imaginário faz parte da representação como tradução mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa fração do campo da representação, à medida que ultrapassa um processo mental que vai além da representação intelectual ou cognitiva (LAPLANTINE, 2003, p. 25).

Por ser uma representação simbólica, o imaginário concretiza-se na construção de símbolos, os quais serão buscados nas falas das personagens dos filmes. Sendo assim, é na polissemia e polivalência simbólica advinda do imaginário é que se encontra um espaço aberto para associar determinadas ações, falas e sentimentos a determinados símbolos representativos da realidade. E será essa a estratégia tomada na análise dos filmes: verificar nas falas e ações das personagens, os símbolos que esses sujeitos tecem para representarem a realidade, no caso, a interação com o tempo e espaço.

A Aceleração do Tempo em O Senhor dos Anéis

Baseado numa obra literária de sucesso global entre o público infanto-juvenil (TOLKIEN, 2001), o filme Senhor dos Anéis sucede-se num cenário fantástico; a Terra-Média, local repleto de criaturas mágicas, as quais convivem num constante duelo pela busca do poder que um anel dá a tais seres.
Com a ajuda de uma sociedade de amigos e aliados, Frodo (personagem principal), sai em uma corajosa e arriscada aventura, na qual ele terá a missão de resgatar e destruir o lendário anel, objeto que dota de poderes sobrenaturais aquele que o possui, a ponto de este ter a possibilidade de dominar toda a Terra-Média.

À caça de Frodo, estão os servos de Sauron (o vilão da história que busca o poder do anel), o então conhecido Senhor do Escuro. Se Sauron recuperar o anel, toda a Terra-Média estará condenada, ficará a mercê das imposições do poder do senhor das trevas (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).

Analisando os símbolos tecidos nessa trama cinematográfica, o anel, que foi criado por uma personagem vilã e maléfica, de modo tirano e contra a vontade dos povos da Terra-Média (o que abala a harmonia deste mundo), representa a onipresença congênita da modernidade, que desarticula e super acelera o tempo.

No imaginário do filme, cada vez que o poder do anel espalha-se sobre os povos, altera suas formas de vida e suas terras. Analogicamente, este simbólico trecho cinematográfico, expressa a situação social persistente na modernidade, momento em que, com uma amplitude global, o tempo é super acelerado, articula-se em proveito de sistemas que giram sobre si mesmos segundo a lógica particular da pós modernidade. É o que se percebe na fala de uma personagem, comentando acerca da expansão do poder deste valioso objeto, que analogicamente, também representa para o mundo dos homens, o advento desse novo tipo de sociabilidade, que é expresso por um personagem da trama, “o mundo está mudado. Eu sinto isso na água. Eu sinto isso na terra. Eu farejo isso no ar. Muito do que já existiu se perdeu, pois não há mais ninguém vivo que se lembre” (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).

Os usos e significados do tempo mudaram com a transição para o sistema de acumulação flexível. Vivemos nas últimas décadas um intenso momento acerca da compreensão sobre tempo-espaço; o que gera um grande impacto nas práticas econômicas, políticas, e na vida social e cultural dos indivíduos. A transição para esta condição pós moderna, que traz novas formas tecnológicas e organizacionais, contribui para a desagregação do mundo urbano e da identidade de seus sujeitos. Novamente nos fala a personagem que inicia narrando o filme:

Na terra de Mordor, nas chamas da Montanha da Perdição, Sauron, o Senhor do Escuro, forjou em segredo um Anel Mestre para controlar todos os outros. E, nesse anel, ele derramou sua crueldade, sua malícia e sua vontade de dominar todas as formas de vida. Um anel para todos governar. Uma por uma as Terras Livres da Terra-Média submeteram-se ao poder do Anel (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).

Este poderoso anel apresenta a aceleração do tempo de giro, que desorganiza o espaço urbano sob os golpes da modernidade, a cidade desarticulando-se sob a força das prioridades de circulação do capital. Tudo agora é programado: desloca-se o centro comercial, alcança-se maior produção de trabalho com mudanças organizacionais, tais como a subcontrolação efetuada por sistemas como o fordismo e a empregabilidade. Sinais de que todas as coisas são atualmente suscetíveis a serem tarifadas, programadas a partir de suas inscrições num tempo limitador, pois:

Dominar ou intervir ativamente na produção da volatilidade envolvem, por outro lado, a manipulação do gosto e da opinião, seja tornando-se um líder da moda ou saturando o mercado com imagens que adaptem a volatilidade a fins particulares. Isso significa, em ambos os casos, construir novos sistemas de signos e imagens, o que constitui em si mesmo um aspecto importante da condição pós moderna, aspecto que precisa ser considerado de vários ângulos distintos (HARVEY, 1994, p. 259).

Este horizonte da modernidade estende-se, dilata-se a ponto de ser perdido de vista. A aceleração do tempo de giro na produção envolve acelerações paralelas na troca e no consumo. Por conseqüência de tal contexto, há a perca de identidade dos sujeitos envolvidos neste ambiente. Para os trabalhadores assalariados, todo este fluxo de informações e racionalizações técnicas, implicou numa intensificação dos processos de trabalho e uma desqualificação e re-qualificação ao atendimento das novas necessidades do trabalho.

Ao longo do tempo, os símbolos impostos pela super valorização tecnocrática, de uso descartável, rápido e superficial, vai aos poucos impondo uma violência simbólica que tende a desagregar os típicos hábitos e estilos de vida rotineiros na sociabilidade dos sujeitos (BOURDIEU, 1998). Isso é perceptível por exemplo, na imposição social efetivada pelas fontes midiáticas, que induzem as pessoas a consumirem produtos alheios às suas atuais necessidades, o que vai gradativamente gestando um novo padrão de consumo a este ser. Fatos sociais que são como o anel da história, um poderoso aparelho que visa mutilar a polissemia da multiplicidade cultural humana, em nome da centralidade do domínio tecnológico.

É assim na história da saga pelo poder do anel, momento em que a narradora da trama, assustada com a possível perda de suas terras e costumes tradicionais de seu povo, em função da expansão perversa dos poderes do objeto tão cobiçado, comenta: “e algumas coisas que não deveriam ser esquecidas se perderam. A história se tornou lenda. A lenda se tornou mito” (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).
Fato que conceitualmente é detectável acerca desta gradativa perda identitária que os homens sofrem com a intensificação dos “tempos modernos” nas caóticas cidades:

As pessoas se acham projetadas em sistemas cuja escala é desproporcional à extensão de suas percepções e às capacidades de seus corpos. Sente-se impotente, aturdido, negado diante dos grandes conjuntos residenciais de Pequim ou do Cairo, nos campos sem medida da Champagne nivelado pelas escavadeiras, nos hipermercados das novas cidades, nos trevos gigantes das estradas (CHESNEAUX, 1996, p. 21 – 22).

Despedaça-se então determinadas funções, desarticula-se certas práticas tradicionais na sociedade, como por exemplo, os rituais religiosos, o almoço familiar feito em mesa com todos os seus membros reunidos e outras formas de sociabilidade em nome de subsistemas autônomos.

O meio urbano perde suas qualidades topográficas, agora tudo é marcado por placas, determinado por out-doors. A constância da tarifação do tempo a qual todos devem adequar-se. Tempo é agora sinônimo de dinheiro, as ações executadas no corre-corre do dia a dia são compreendidas como deveres a serem rapidamente executados, sem muita reflexão acerca de tais ações, como demonstra o diálogo entre Frodo e o mago Gandalf, ao reencontrarem-se depois de um bom tempo:

Frodo: Está atrasado.
Gandalf: Um mago nunca se atrasa, Frodo Bolseiro. Nem chega adiantado. Chega exatamente quando quer (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).

No domínio da produção de mercadorias, o efeito da ênfase nos valores de instantaneidade e descartabilidade dos objetos criados e consumidos pelos homens (HARVEY, 1994), legitima a dinâmica de uma “sociedade do descarte”, instante em que as ações e objetos não possuem mais valor, não são mais mecanismos que tragam identidade social aos homens.

Vislumbrando empiricamente essa tese, pode-se detectá-la numa breve comparação entre o sistema de sociabilidade contemporânea e o da época da Idade Média, momento histórico anterior ao atual processo civilizatório. Houve uma profunda transformação social ocorrida em poucos séculos no mundo ocidental, e o habitante desse ambiente é um sujeito sem fixas raízes culturais: vive num contexto social fora do universo humano no qual nasceu.

Vê coisas estranhas ao seu cotidiano, que surgem advindas do processo de globalização mundial, coisas desconhecidas, gestadas em outra parte de globo terrestre, porém, mesmo diante desta situação alienígena a si, esse indivíduo acaba incorporando tal objeto a sua vida. O universo apresenta-se a seus olhos cada vez mais neutro, técnico, mais autônomo, uma estrutura que progressivamente perde as marcas de interação humana.

Ao contrário dessa mecanização da atual sociabilidade, onde o seu habitante tende ao individualismo e isolamento social, o camponês da Idade Média, não imaginava-se fora de sua terra natal: o centro do universo era a sua aldeia local. Ao contrário do homem moderno, que convive com costumes estranhos a si, desprovido de uma história, o homem medieval observa as coisas de modo sentimental, subjetivo, ligado diretamente a sua existência.

Enquanto nas aldeias tudo estava sempre interligado a existência dos seres, o homem de hoje fala de eventos da história, e que não existem unicamente para ele, em um mundo “desencantado”; desprovido de qualquer explicação oriunda de mitos religiosos. É essa relação social que instituiu a visão de mundo enquanto um agregado de objetos independentes e impessoais de seus observadores (FOUREZ, 1995).

Condições sociais decorrentes do processo de desencantamento do mundo. A humanidade aboliu um universo habitado pela institucionalização do sagrado, das explicações mágicas, espirituais, excepcionais, e adequou-se a um tempo racionalizado, mecânico, material, proveniente da intensificação da técnica e das revoluções científicas. O mundo foi desprovido de mitos e deuses, toda essa mágica concepção deu lugar ao desenvolvimento de formas organizacionais reguladas pela burocratização e racionalidade, pois “os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental da vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais (WEBER, 1979, p. 182).

Quais as conseqüências dessa intensa racionalização operada na sociabilidade humana, através da técnica e ciência supervalorizadas? Essa razão que institucionaliza a impessoalidade e burocratização acaba minimizando a liberdade das ações dos homens, tendendo a vacilar a serviço da dominação e instrumentalização das relações humanas.

O suposto triunfo da razão, prometido desde o século XVIII, inicialmente pela Filosofia das Luzes (Iluminismo), não foi capaz de constituir um meio adequado para abolir os mitos e magias. Essa própria razão tornou-se um mito que estabiliza-se de modo contraditório na sociedade: é a degenerância da ração científica, que pode ser verificada por exemplo, na vontade racional de exterminar uma parte da humanidade através de bombas-atômicas. Fatos que marcam uma crise social rumo a um horizonte totalizado pela não interferência humana em seu meio.

Distante das promessas de ampla prosperidade e felicidade humana, sociedade contemporânea estabiliza a cooptação de seus sujeitos pelo organizado sistema capitalista, que manipulando os sujeitos, tendem agora a uniformização, a inautenticidade, ao anonimato e a desumanização. Ações que visam alargar o consumo passivo de mercadorias padronizadas, negando aos homens qualquer possibilidade de imaginação ou sensibilidades individuais. Portanto, a transformação societal por meio da extensa valorização científica, equivale afirmar que:

A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma. (...) Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p. 114).

Diante desse diagnóstico acerca das conseqüências da cientifização do mundo contemporâneo, pelo menos possuímos a possibilidade de um conhecimento mais claro das nossas próprias condições sociais de vida em relação aos povos que antecederam esse processo civilizatório? Eis a resposta:


O selvagem tem um conhecimento incomparavelmente maior sobre suas ferramentas. (...) A crescente intelectualização e racionalização não indicam, portanto, um conhecimento maior e geral das condições sob as quais vivemos (WEBER, 1979, p. 165).

É a ação do jogar fora bens produzidos, ser capaz de descartar rapidamente valores, abandonar estilos de vida, extinguir relacionamentos estáveis e duradouros. É a sociedade do tempo acelerado, do grande fluxo de informações da internet, que num clique, se faz um upgrade e, logo, o que era atual torna-se passado, fadado a ser “deletado”. Ambiente social em que também as relações amorosas não são mais estáveis, definem-se em breves noites e “baladas” de afoitos ficantes. Modelo de sociabilidade que molda tanto os jovens, que faz Frodo comentar: “nunca tivemos aventuras nem fizemos nada inesperado” (SENHOR DOS ANÉIS, 2001). O que significa que:

O colapso do dinheiro como meio seguro de representação dos valores criou por si só uma crise de representação no capitalismo avançado. Ele também foi reforçado, ao mesmo tempo em que lhes acrescentou seu peso considerável, pelos problemas de compreensão do espaço-tempo antes identificados (HARVEY, 1994, p. 269).

Relação com o tempo que forçam as pessoas a conviverem com a descartabilidade, perspectiva que fornece um contra senso e a diversificação de valores, o que deixa a sociedade em vias de fragmentação. É o instante da perda de sólidos valores, era do fim das ideologias, meio social que não mais valoriza a fala e, sim, as imagens. O mago Gandalf, consciente desse poder (no caso do filme, dos conseqüências do uso do anel), afirma:

As inscrições na lateral começam a apagar. A escrita, que de início era clara como uma chama vermelha desapareceu quase totalmente. Um segredo que agora somente o fogo pode revelar (SENHOR DOS ANÉIS, 2001).

Os Não-Lugares em O Terminal

O filme O Terminal coloca o aeroporto como microcosmo do mundo. Neste local há pessoas de todo os quatro cantos do planeta, que possuem diferentes culturas, com os mais diversos tipos de costumes. Viktor Navorski, personagem principal, descobre que dentro de um terminal de aeroporto, pode caber toda uma vida. Enquanto voava para os Estados Unidos, acontece um golpe de estado em seu país de origem, deixando-o em uma situação bem peculiar.

Conforme é informado pelo oficial de segurança, Viktor não pode ser considerado um refugiado e nem um turista, em função do governo norte-americano não reconhecer a nova situação do país em conflito. Ele não pode entrar nem sair e é obrigado a esperar dentro do aeroporto, acabando por fazer desse local a sua residência. Filme que possui o roteiro inspirado num caso real de um expatriado iraniano que morou há 15 anos no aeroporto em Paris, o Charles de Gaulle (TERMINAL, 2004).

O aeroporto, assim como as auto-estradas, shoppings centers e viadutos, por serem apenas locais de rápida circulação e não possuírem uma identificação humana, impressa a estes locais, são denominados de não-lugares (AUGÉ, 1994). Eis o local onde Navorski faz sua moradia: num terminal de aeroporto. Este ambiente é designado para a rápida passagem. Milhares de pessoas passam apressadamente, uma ao lado da outra, sem nenhuma possibilidade de sociabilidade entre elas. Instante em que o espaço torna-se dilatado, repetitivo, seriado. Os lugares tornam-se banalizantes: são construções industriais de lojas em grande série, tudo ao máximo automatizado, o que impede cada vez mais a possibilidade de interferência humana em tais locais.

Cadeiras postas em fileiras, as áreas de refeições se sucedem de uma a uma, de terminal em terminal, de contingente em contingente, como se fossem reproduzidas por um mesmo módulo informatizado. Assim, despedaça-se as possibilidades subjetivas de interação em tais locais em nome da monopolização dos sistemas autônomos e informatizantes. Como demonstra o filme, no momento em que os oficiais do governo norte-americano, para não desarticularem a autonomia de seu sistema de migração e imigração, acabam impondo uma ordem a Navorski, no qual, ele, oficialmente, não teria mais uma identidade social: “não se qualifica como exilado, refugiado, para proteção temporária, questões humanitárias, diplomática ou de trabalho. Não se qualifica para nada disso. Você neste momento é simplesmente inaceitável” (TERMINAL, 2004).

Então, o espaço da modernidade organiza-se em rígidos sistemas, que, aos olhos dos quais a subjetividade humana, a livre relação identitária dos indivíduos, são aniquiladas; tornam-se títeres do funcionamento mecânico, automatizado. As manifestações humanas acabam sendo degredadas, desprezadas e desqualificadas em nome da manutenção da ordem tecnocrática.

Por esta singular inversão em torno da relação entre homem e lugar, designa-se assim, o espaço como um não-lugar, representando-o como um local de rápida circulação. Gradativamente, a pós-modernidade desagrega questões de cunho histórico, relacional e identitário que constitui a relação entre os homens e seus espaços (AUGÉ, 1994). O que enfraquece os elementos que traçam uma identidade sócio-cultural dos indivíduos. Como é o caso de Navorski, que escuta a seguinte afirmação de um oficial do aeroporto: “No momento, você é cidadão de lugar nenhum. Mesmo se lhe déssemos novos papéis, teria de aguardar nova classificação diplomática” (TERMINAL, 2004). Ações propensas à rigidez burocrática, que reduz as pluralidades subjetivas dos cidadãos urbanos. O que fundamenta a alegação de que a reconfiguração dos espaços para não-lugares pela pós-modernidade, demonstra que:

Ele também não concede espaço à história, eventualmente transformando em elemento de espetáculo, isto é, na maior parte das vezes, em textos alusivos. A atualidade e a urgência do momento presente reinam neles. Como os não-lugares se percorrem, eles se medem em unidades de tempo (AUGÉ, 1994, p. 95).

Há então o desvio do olhar, onde existem espaços nos quais os indivíduos sentem-se espectadores sem verdadeiramente estarem envolvidos com a natureza deste espetáculo. Aí há apenas oportunidades para os negócios, o mercado confeccionando produtos que podem ser vendidos em massa instantaneamente nesses não-lugares. Ações que desempenham o aspecto vital do “deus-mercado”, que através de seus representantes, dita ao inusitado morador do aeroporto que “só há uma coisa para fazer aqui senhor Navorski: compras” (TERMINAL, 2004).

O que atesta que os mecanismos de produção e reprodução dos “(...) não-lugares reais da supermodernidade, aqueles que tomamos emprestados quando rodamos na auto-estrada, fazemos compras no supermercado ou esperamos num aeroporto o próximo vôo para Londres ou Marselha” (AUGÉ, 1994, p. 88), obedece em particular à acumulação flexível do capital em nome dos grandes núcleos financeiros.

Não há mais um lugar próprio para a criação de valores entre os indivíduos, locais que criem vínculos identitários entre sujeito-local, como o valor simbólico da igreja ao religioso por exemplo, que tem ali, toda uma vida marcada através de símbolos e rituais: batismo, crisma, etc. O atual ambiente, composto de imensos shoppings e aeroportos desfalece as possibilidades subjetivas dos seres, que agora, apresentam-se a estes como locais de rápida circulação e consumo. Não existe mais o sujeito social, apenas consumidores, sempre suscetíveis a novas mudanças em seus padrões de gostos, impostos pelos interesses mercadológicos. Indivíduos aptos a todo instante, como no filme, a fazerem apenas uma coisa em suas vidas: compras.

Caracterização da Condição Pós-Moderna

Ambos os filmes, através de suas representações diretas ou indiretas referidas pelas personagens, refletem simbolicamente a condição pós-moderna que caracteriza a sociedade de nossos dias, reconfigurando o sentido de tempo e espaço nesse ambiente societal.

Esta, é uma tendência aplicada à partir de 1950, nos diversos âmbitos da atividade humana: arquitetura, filosofia, música, cinema, sociologia, etc. Através de uma sociabilidade em que o cotidiano é programado pela tecnociência, o modo de vida dos sujeitos vão sendo drasticamente alteradas: uso de alimentos transgenicamente modificados, microcomputadores, remédios desenvolvidos à partir de processos biotecnológicos, etc. Sistema social que engrena rapidamente novos papéis sociais e estilos de vida aos homens (SANTOS, 2006).

Essa condição social, através de seu grande desenvolvimento tecnológico, satura a sociedade com informações e serviços advindos da internet e mercadorias em geral. Lidamos mais com a estética desses produtos ao invés de observarmos o seu conteúdo. Situação que levanta uma relevante observação: no mundo atual, o problema acerca do conhecimento não é a ausência da propagação e acesso às informações, pois isso é demasiadamente efetivado por diversas fontes midiáticas, mas sim a qualidade dessas informações propagadas.

Em nenhum período histórico da humanidade houve uma circulação e troca de informações de modo tão ágil como na atualidade: computadores e televisões levam em questão de segundos, notícias de uma inóspita parte do globo terrestre, a uma certa população, a qual está distante geograficamente do local daquele acontecimento.
Porém, segundo estimativas oficiais, um jovem americano, por exemplo, ao completar 14 anos, que assistiu em média 15 mil horas de tv, não sabe informar que depois da Segunda Guerra Mundial, combater o comunismo era a prioridade da política externa de seu país. Na Inglaterra, uma pesquisa mostrou que um terço dos jovens ingleses não sabe quem foi Winston Churchill. No Brasil, outra pesquisa revelou que a população paulista acima de 16 anos possui um grande desconhecimento acerca de informações geográficas de seu país: 61% delas não sabem qual é a capital do Rio Grande do Sul, 92% não sabem quantos estados compõem o país (DIMENSTEIN, 1997).

Fatos que demonstram que não se deve cair no deslumbramento tecnológico, efetuado de modo inconsistente e acrítico. De pouco adianta gerar “megas” e “giga-bytes” de informações, sem está contido nesse processo, um conhecimento crítico sobre o mundo. Essa postura, uma das habilidades intelectuais mais necessárias é ao mesmo tempo dificultada de ser praticada, devido às interpretações à priori, existentes na sociabilidade pós-moderna, o que impede que novas perspectivas e descobertas sejam adotadas.

Assim, essa condição social contemporânea tende a sempre está moldando os níveis societais, o que configura uma sociedade ávida pelo consumo, que tende a reduzir-se pela moral hedonista: valores calcados no prazer do consumismo de mercadorias, efetivado por sujeitos extremamente individualizados. Situação social que define-se na navegação em acontecimentos caóticos e fragmentários, onde há a total aceitação do efêmero e do descontínuo nas relações sociais.
Como nos filmes, no caso do anel por exemplo, que esmaga uma multiplicidade de estilos de vida em nome do monopólio do poder, ou no outro caso, em que o indivíduo insere-se num espaço repetitivo e desarticulado. Enfim, a pós-modernidade condiciona contraditórios valores como: des-referenciação do real, des-construção da filosofia, des-politização da sociedade e des-substancialização do sujeito. O que demonstra que:

Na pós-modernidade, o eterno é repartido no instante. A idéia de carpen die é o instante da cristalização da eternidade. As gerações vivem este instante, desprendem-se do político, do religioso, do trabalho, etc. Não há mais projeção do futuro religioso e político, mas a intensidade traz o gozo, aproveitar o que a ocasião se lhe apresenta (MAFFESOLI, 2002, p. 2).

Considerações Finais

Detecta-se como a produção cinematográfica do século XXI traz à tona a compreensão do tempo-espaço na condição da pós-modernidade, onde há uma interferência nos usos e significados do espaço e tempo. Ela reflete, através de um imaginário construído acerca da realidade, como a aceleração e desarticulação do tempo nos dias atuais, obedecem às prioridades da acumulação flexível e ao fortalecimento dos sistemas autônomos.

Além disso, traz a concepção do espaço como um não-lugar. Que é um local que se torna repetitivo, seriado, de rápida passagem; que acabam banalizando-se, o que gera a mecanização das atividades humanas, em nome da estruturação de rígidos sistemas e ao ordenamento de particulares acumulações de capital, que são efetuadas por grandes sistemas empresariais.

Assim, fragmenta-se as possibilidades subjetivas de interação humana com o tempo e espaço. A rigidez burocrática vai reduzindo cada vez mais a pluralidade de relações identitátias dos indivíduos que, ao reconfigurar e dar novo sentido ao local e ao seu tempo, desagrega questões de cunho relacional dos homens; inibindo-os gradativamente de seus elementos de valores históricos e subjetivos.

Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

AUGÉ, Marc. Os Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 3ed. Campinas: Papirus, 1994.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

CHESNEAUX, Jean. Modernidade Mundo. 2ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

DIMMENSTEIN, Gilberto. Aprendiz do Futuro. São Paulo: Ática, 1997.

FOUREZ, Gerard. A Construção das Ciências: introdução à filosofia e a ética das ciências. São Paulo: Unesp, 1995.

HARVEY, David. A Condição Pós Moderna. 4ed. São Paulo: Loyola, 1994.

LAPLANTINE, François. O Que É Imaginário. São Paulo: Brasiliense, 2003.

MAFFESOLI, Michel. Entrevista com Michel Maffesoli. In: SANTOS, Volnei Edson dos (org.). O Trágico e Seus Rastros. Londrina: Uel, 2002.

SANTOS, Jair Ferreira dos. O Que É Pós-Modernismo. São Paulo: Brasiliense, 2006.

SENHOR DOS ANÉIS, O. Direção: Peter Jackson. Intérpretes: Sean Bean, Can Holm, Andy Serkis. Roteiro: Fran Walsh. Chicago: Wingnut Films, 2001. 2 DVDs, 129 min, widescreen, color.

TERMINAL, O. Direção: Steven Spilberg. Intérpretes: Tom Hanks, Catherine Zeta Jones, Stanley Tucci. Roteiro: Sucha Gervani. Los Angeles: Dreamworks Pictures, 2004. 1 DVD, 116 min, widescreen, color.

TOLKIEN, Jonh Ronald Reuel. O Senhor dos Anéis: a sociedade do anel. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

______. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1992.

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