domingo, 13 de março de 2011

O MAL ESTAR DA MODERNIDADE NA LITERATURA DE GRACILIANO RAMOS

por Dennis de Oliveira Santos



O ilustre escritor alagoano Graciliano Ramos além de vários temas sobre política e sociedade em sua vasta obra literária também teve o êxito de delinear uma visão pessimista, típica de intelectuais do século XX acerca da relativização do ideário de felicidade do mundo ocidental contemporâneo. Pode-se perceber que ele delineou a impossibilidade de construção de um “estado de bem-estar” aos indivíduos no mundo ocidental contemporâneo a partir de uma específica visão de mundo confeccionada nos respectivos romances: São Bernardo (1934) e Angústia (1936).

O início do século XX foi marcado pela idéia de nação e progresso, temas que seriam capazes de modernizar o mundo através das descobertas científicas e dos avanços tecnológicos. Seja nos países europeus ou na América Latina, os governantes tinham o intuito de levarem adiante a concepção de Estado-nação, de possuírem uma bandeira, um hino, exército próprio e, em alguns casos, até a possibilidade do sufrágio universal.

Na Europa, por exemplo, a sociedade via com otimismo a evolução tecnológica e o exacerbado nacionalismo de certos países desse continente. Afinal, o progresso, o “curso natural dos acontecimentos”, podia ser visto no uso das máquinas, no militarismo e na civilização. No âmbito das ciências físicas e biológicas reinava a concepção positivista, a qual norteava a ação dos cientistas: não havia problema que a atividade científica, objetiva e neutra não resolvesse (HOBSBAWN, 1995).

Assim, as cidades eram milimetricamente organizadas, o modo de produzir carros em grande escala era desenvolvido por Henry Ford, aviões podiam ser vistos nos céus graças a Santos Dumont, e as descobertas de Darwin “sepultava” as explicações místicas acerca da origem da vida terrestre (HARVEY, 1994). No Brasil, na década de 30, o estado varguista modernizava a economia local a partir do processo de industrialização (FERNANDES, 2006; IANNI, 1988). Enfim, não havia dúvida de que o “homem evolui”, se adapta, assim como a sociedade progride, se eleva, melhora.

No entanto, antes mesmo da crítica acerca da instrumentalização da razão feita pela Escola de Frankfurt, antes do existencialismo de Camus e Sartre diante da certeza da impossibilidade de “ser feliz”, intelectuais do início do século XX, como o romancista Franz Kafka, não se entusiasmavam com as premissas ideológicas advindas da ciência. Tais intelectuais confeccionaram uma visão de profundo pessimismo sobre a realidade: era o mal estar moderno do homem perante a constante racionalização ocorrida no mundo (BAUMAN, 1998).

Em meio à ideologia do progresso, no Brasil, tão enfatizada pelo Presidente Getúlio Vargas, o alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) chamou atenção para a existência de entraves para o “bem estar” dos indivíduos perante a sociedade, de estruturas “intransponíveis” entre o querer e o poder, entre o sujeito e as instituições sociais. Em dois de seus romances, São Bernardo (1934) e Angústia (1936), é o sistema econômico-social capitalista e, em termos gerais, é a própria sociedade estruturada pelo conflito entre as classes sociais, a estrutura responsável por diversas desigualdades sociais e, conseqüentemente, pela infelicidade e insegurança dos homens.

Nessas obras existe um conflito entre o indivíduo, ao mesmo tempo culpado e inocente pelas mazelas de seu mundo, e a sociedade, já instituída com seus valores e regras normalizadas. Quer dizer, os romances do literato nordestino traduzem artisticamente o sentimento de mal estar, de antipatia que os sujeitos dessa época sentiam ao compartilharem determinados valores e regras.

Graciliano é cruelmente real, mesmo os desejos dos seus personagens não fogem aos limites determinados por suas órbitas sociais. Ambos os romances denunciam o absurdo da existência humana em uma época em que se acreditava na possibilidade de construção de uma sociedade perfeita. Em São Bernardo se revela o que absurdo é o fato dos seres humanos, tão “evoluídos” neste mundo cercado de tecnologias, não passarem de mercadorias com preço, validade e garantia. Essa coisificação humana é percebida no cotidiano e ações dos personagens.
Narrado por Paulo Honório (personagem principal) em primeira pessoa, o texto assume características de uma “meia-culpa”, de uma busca de compreensão do que fora sua vida. No enredo do romance, este narrador era empregado de uma fazenda em Alagoas, e com trabalho lícito e esforços ilícitos consegue comprá-la, a qual ele pensa em transformar no latifúndio mais produtivo da região (RAMOS, 1996).

Desse contexto, observa-se que Paulo Honório é o típico fazendeiro capitalista, o intrépido desbravador, o qual apropria-se de tudo e de todos, mas que apesar de sua privilegiada posição social, ele é abalado por complexos sentimentos e por sensações de alucinação psíquica (LINS, 1998). A partir desse enredo, percebe-se uma visão de mundo pautada num constante mal estar dos indivíduos perante seu contexto social: o homem cria para si estruturas sociais que acabam por gerar graves problemas, aprisionando a si mesmo dentre desse sistema social criado por ele mesmo. Ou seja, existe uma luta do homem contra o mundo exterior corrompido.

Já no romance Angústia, o personagem Luís da Silva representa a figura de um fracassado. Ele possui um sentimento de angústia, o qual reside no fato dele ter que conviver com pessoas que ele detesta, mas assim o faz a partir de certas artimanhas e jogos sociais para se manter em seu cargo público e conquistar o coração de Marina. A mensagem de Graciliano nesse texto parece ser a seguinte: a única maneira de “vencer” em um mundo regido pelo dinheiro e, assim, parecer mais feliz, é seguindo as “regras do jogo”, mostrando ambição e vontade empresarial. Porém, no final do livro, o personagem chega a conclusão de que não é e nunca poderia ser feliz. Afinal, ele pensa que a vida não tem sentido nem finalidade (RAMOS, 1969).

Os atos dos personagens de Graciliano são justificados por si mesmo, fora de qualquer preocupação moral ou transcendente. Eles estão entregues aos seus próprios destinos, não contam sequer com a compaixão do escritor. Dessa forma, os homens são retratados como seres desgraçados, criaturas humilhadas e mesquinhas, os quais sentem um profundo mal estar perante suas vidas e o meio que os cercam:

A ascensão de Paulo Honório ou a decadência de Luís da Silva representam caminhos diferentes para o mesmo niilismo. (...) Não encontram sentido para a vida, não se associam nem se solidarizam em movimentos de ascensão; carregam, com a ausência de fé, um tamanho de poder de negação que só se encontra correspondência numa espécie de niilismo moral, num desejo secreto de aniquilamento e destruição (LINS, 1998, p. 133-137).

Diante de tais considerações detecta-se que a obra literária de Graciliano Ramos ilustra artisticamente o mal estar social da modernidade, assunto que é tão debatido no âmbito das ciências humanas (BAUMAN, 1998). Daí a importância de se estudar a produção do escritor alagoano, momento em que seus romances chamam atenção para a existência de um processo de burocracia, o qual tende a esmagar as autonomias individuais (WEBER, 2002) e gerar um mal estar aos sujeitos.

REFEFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zigmunt. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. 5ed. São Paulo: Globo, 2006.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. 4ed. São Paulo: Loyola, 1994.

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos - o breve século XX. 10ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

IANNI, Octavio. Estado e capitalismo. 2ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

LINS, Alvaro. Valores e misérias das vidas secas. In: RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 73ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

RAMOS, Graciliano. Angústia. 11ed. São Paulo: Martins, 1969.

______. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 1996.

WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2002.

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