sexta-feira, 11 de março de 2011

O ORDENAMENTO URBANO DO PODER LEGISLATIVO NA PROVÍNCIA DO CEARÁ (1838 – 1880)

por Dennis de Oliveira Santos




Considerações Iniciais
Com o fim do período colonial, dar-se início a um novo ciclo histórico no Brasil, momento em que a política nacional foi marcada por uma forte centralização administrativa e teve o surgimento de vários personagens políticos que fizeram história no campo político cearense (José Pereira Filgueiras, Rodolfo Teófilo, José Martiniano de Alencar, Tristão de Alencar Araripe, etc), época conhecida como Brasil Imperial.

Mas foi entre os anos de 1822 e 1888 que grandes mudanças ocorreram no país, principalmente em suas províncias, onde novas idéias, ligadas ao cientificismo e ao liberalismo político modificaram suas estruturas tradicionais do poder e abriram caminhos para a abolição da escravatura e a instauração da República. O Brasil vivenciou um constante processo de transformação, como a grande produção cafeeira e o processo de libertação dos escravos, mudanças sociais que trouxeram progressos em suas estruturas, principalmente na esfera econômica, política e social.
Na Província do Ceará não foi diferente. Com o desenvolvimento de sua economia assentada na atividade pecuária, em que as charqueadas foram responsáveis pelo crescimento de alguns centros comerciais da capitania, os produtos sofreram uma valorização com a introdução do algodão em sua economia, servindo primordialmente como produto de exportação para o comércio europeu. Ainda isso não bastasse, outros produtos foram anexados a pauta de exportação, contribuindo para que o Ceará fosse um exemplo exportador de produtos primários.

A segunda metade do século XIX foi um período de grandes transformações na infra-estrutura e nos órgãos políticos da região cearense: época em que foi instalada a Assembléia Legislativa da Província do Ceará. A partir de então, esse poder foi responsável pelo ordenamento urbano dos municípios locais através da criação de normas jurídicas e políticas públicas. Diante desse contexto, é de relevante importância analisar como se deu o ordenamento urbano pelo poder legislativo cearense entre os anos de 1838 e 1880, verificando suas finalidades e conseqüências sociais para a província do Ceará.

Ceará Imperial
Alguns fatores foram de fundamental importância para que esse desenvolvimento do Ceará ocorresse com êxito: um período sem o registro de secas (1845 a 1877) e a demanda de algodão em face de Guerra Civil Americana. O Ceará permaneceu até o fim do século XVIII como uma capitania sem importância. Porém, quando se tornou província, e foi administrado por governadores com poderes mais diretos (José Pereira Filgueiras, José Martiniano de Alencar, Joaquim Pinto Madeira) tornou-se notável a capacidade de se mobilizar muitas pessoas para enfrentar o campo político (SOUSA, 1994).

A estrutura jurídica e o poder político no Ceará Imperial foram configurados pela Constituição outorgada de 1824, em que se instaurou o modelo de governo Monárquico-Hereditário, que era constitucional e representativo. Nessa estrutura política, representavam o país, o Imperador e a Assembléia-Geral, formada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

A Constituição de 1824 instituiu quatro poderes: O Executivo – onde o Imperador era o líder máximo, em que os seus Ministros de Estado o representava; o Moderador, pelo Imperador; o Judiciário, pelos Juízes e Jurados, e o Legislativo, pela Câmara dos Deputados e Senado. Essa conjuntura política, lançada pela Constituição de 1824, seguiu por vários anos, momento em que as bases jurídicas da política local, no Império, foram igualmente lançadas pela Constituição Imperial e por outras leis menores que se seguiram nas duas décadas seguintes. Nesse ínterim, surgiram as províncias, que eram divisões territoriais em sintonia com o Governo Central pelas agências instituídas nos níveis civis, onde o Presidente da Província era quem dirigia e operacionalizava suas funções e atribuições.

Os partidos políticos do Ceará começaram a se organizar após a Confederação do Equador, momento em que autoridades das regiões provinciais organizavam-se em pequenos grupos para as discussões em nível local e nacional. Geralmente esses líderes possuíam um grande poder em suas localidades. Esses partidos deram aos chefes políticos suporte para manter sua hegemonia em cada vila, aumentando e legitimando seu poder de mando local.

A Confederação do Equador foi um movimento revolucionário, de caráter emancipacionista e republicano, ocorrido em 1824 no Nordeste do Brasil. Representou a principal reação contra a tendência absolutista e a política centralizadora do governo de D. Pedro I (1822-1831), esboçadas na Carta Outorgada de 1824, a primeira Constituição do país.

Nesse contexto, dois partidos sobressaíram no Império brasileiro, ambos trazendo à tona a questão da descentralização e da centralização político-administrativa. O Liberal, que defendia as leis descentralizadoras, os interesses da burguesia urbana e comercial da época e, propunha o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidão e os donos de terra. E o Partido Conservador, que defendia a centralização e a manutenção da dominação política das elites escravocratas rurais.

Após o surgimento da Assembléia Provincial do Ceará em 1835, esses partidos ganharam maior relevância. No ano de 1834, foi nomeado Presidente da Província José Martiniano de Alencar, que tinha o perfil de intolerante e autoritário no gerenciamento da província, causando a ira de grupos opositores a seu governo. Sua postura na condução dos negócios provinciais causou insatisfação nos grupos de oposição, os quais passaram a organizar-se e a recrutar novos elementos, com capacidade intelectual adquirido nos cursos superiores (SOUSA, 1994).

A oposição começou a entrar em cena com o fim do Governo Alencar no Ceará. Organizaram-se dentro do partido Conservador, sob a liderança de poderosas famílias, principalmente a dos Fernandes Vieira, a qual pertencia à região dos Inhamuns. Portanto, é possível perceber que essas agremiações políticas serviam como instrumento de defesa dos interesses de um grupo social muito restrito daquele tempo. Esses partidos surgiram para garantir a hegemonia das oligarquias em suas áreas eleitorais que, não muito distante, correspondiam aos seus próprios domínios territoriais. Os dois Partidos do Império, tanto o Liberal quanto o Conservador não possuíam diferenças em suas práxis políticas, pois sempre estavam de acordos com seus interesses e suas conveniências mais adequadas às situações que apareciam.

A Instalação da Assembléia Provincial
Durante a gestão de José Martiniano de Alencar (1834 a 1837) houve importantes transformações sociais para a região. Essa administração publica desempenhou um importante papel ao desenvolvimento do Ceará e na expansão urbana de Fortaleza. Em 07.04.1835 foi instalada a Assembléia da Província, na Praça do Conselho. Esse ato significou um grande avanço no início da formação da cidade de Fortaleza, tendo em vista a importância do poder administrativo na construção de obras públicas e no ordenamento do espaço urbano (NOGUEIRA, 1889).

De início, esse ambiente político tinha figuras de destaque como o deputado Gonçalo Baptista Vieira (o Barão de Aquiraz). Na pauta diária do Poder Legislativo havia os debates entre os Conservadores e os Liberais e a Campanha Abolicionista. A Assembléia Provincial tinha como objetivo inicial o papel de legislar sobre a economia e a política municipal. Assim como legislar sobre a separação civil, judiciária e eclesiástica; instrução pública; finanças provinciais e municipais; a criação e a supressão de empregos públicos. Além de estabelecer, sob orientação do administrador da casa, a força policial, votar o orçamento provincial sob proposta do Presidente, e dos Municípios sob propostas das Câmaras.

O poder legislativo aproximou representantes da política local com setores mais conservadores, como proprietários de terras que mantinham suas relações de dominação em seu território. Essa instituição funcionou como um canal em que a elite política assegurava a sua dominação ao nível da Província. O Legislativo Provincial, em consonância com a Câmara dos Deputados e o Senado, aumentou a possibilidade de recrutamento da elite local, esses sendo mediados pela ação dos partidos políticos.
Com a criação da Assembléia Legislativa Provincial deu-se início também, a organização dos partidos políticos cearenses. Naquela ocasião, o Presidente da Província era José Martiniano de Alencar, conhecida figura política da região do Cariri e que representava a facção liberal apoiada pelo regente Feijó (GIRÃO, 1985).

João Facundo de Castro Menezes (1838 – 1839)
João Facundo de Castro Menezes, também conhecido como Major Facundo, foi presidente da Assembléia Provincial nos anos de 1838 e 1839. Nasceu no ano de 1787, em Aracati, e faleceu em 1842. Filho do Capitão-mor José de Castro e Silva e de Joana Maria Bezerra, Facundo foi uma das mais influentes personagens políticas que a região cearense teve no período imperial (ESTADO DO CEARÁ, 2006).

O campo político dessa época tinha chegado a momentos de extrema violência e ameaças oriundas da disputa pelo poder entre liberais e conservadores. Nesse contexto, Major Facundo era o líder do Partido Liberal, também conhecido de “chimangos”, grupo político composto de republicanos moderados e antigos imperialistas. Eles tinham por adversário o Partido Conservador, também conhecido por “caranguejo”.

Esse tipo de luta pelo domínio político, que aconteceu entre os anos de 1839 e 1842, repercutiu em todas as províncias do país. No Ceará, enquanto fermentavam profundos rancores partidários, ocorriam saques em propriedades privadas e crimes no interior da província. A situação foi complicada a partir do momento em que o regente Feijó passou o governo a Pedro de Araújo Lima, abrindo espaço a brigas entre liberais e conservadores, marcados por violentos fatos que se sucederam na disputa pela maioridade de D.Pedro II (BARROSO, 1962).

Desse modo, Facundo e os liberais fizeram oposição aos interesses do grupo conservador, estes, tinham o chefe do Partido Liberal como uma “espada suspensa sobre suas cabeças”. O Partido Conservador lutou a todo custo para a manutenção do poder, usando diversas formas de intimidação a Facundo: desde a censura em suas cartas até mensagens com ameaça de morte (LEITE FILHO, 2002).

O posicionamento político de Facundo o levou a ser preso e deportado para uma fortaleza no Rio de Janeiro, da qual saiu por mandato do governo imperial. Na prisão, publicou juntamente com outros companheiros encarcerados, um manifesto-protesto e uma representação ao Imperador. Por todas as ações políticas de Major Facundo, Barão de Studart o considerou a influência política mais legitima na Província do Ceará.

Em sua administração da Assembléia Provincial, ele efetivou através da lei 24 de setembro de 1838, a separação do Poder Legislativo em relação ao Poder Executivo. Se utilizando do regimento interno legislativo, Facundo informou ao governador da Província, o sr. Manoel Felisardo de Souza e Mello, que não existia nenhum artigo que o sujeitasse como presidente de seu órgão a dar conta de suas ações ao governo provincial (ASSEMBLEIA PROVINCIAL, 19/01/1839).

O comunicado do Major Facundo ocasionou novas discussões entre ele o conservador governador da Província do Ceará. Do embate entre os dois interesses (separação entre os poderes X prestação de contas da Assembléia ao Governo Provincial), surgiu outro comunicado. Desta vez, o presidente do legislativo sugeriu que o governador não conhecia os direitos constitucionais, e que seus intuitos em “obrigar” a Assembléia a prestar contas a sua administração eram movidos por suas paixões pessoais sobrepostos aos interesses da sociedade cearense (ASSEMBLEIA PROVINCIAL, 26/01/1839).

A iniciativa de Facundo contra os interesses do governador teve apoio de diversas câmaras municipais, dentre elas a Vila de Aracati. Esse poder municipal comunicou ao imperador D. Pedro II o “desespero geral da província” diante de uma crise política proveniente das ações públicas tomadas pelo governador local, o qual era acusado de ferir as “leis da comunidade brasileira”. Tipo de oposição política que conseguiu que o governador Manoel Felisardo fosse substituído em seu cargo.

Após a sua presidência à frente da Assembléia Provincial, no ano de 1841, Major Facundo foi assassinado barbaramente por questões políticas, em sua própria residência, a mandato da esposa do Brigadeiro José Joaquim Coelho, e de alguns políticos conservadores. O crime abalou a capital cearense, tendo repercussão no país através de inflamados discursos políticos (LEITE FILHO, 2002).

No dia do assassinato, surgiram gritos de protesto e vingança por parte da população. Os liberais prometiam prêmios a quem descobrisse os assassinos. Facundo nunca levou em conta os perigos que corria diariamente, e sua morte foi um ato praticado pela violência política da época, reflexo das tumultuadas agitações que o Brasil vivia. Por esse ambiente de disputas acirradas entre os dois partidos políticos, a gestão legislativa de Facundo foi impossibilitada de modernizar a região cearense com a concretização de um ordenamento urbano em face do conservadorismo político presente na mentalidade dos líderes locais.

TRISTÃO DE ALENCAR ARARIPE (1848-1849)
Tristão de Alencar Araripe foi uma importante figura política do Ceará Imperial, destacando-se como presidente da Assembléia Legislativa Provincial na segunda metade do século XIX. Filho do Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe (conhecido pelo seu patriotismo e Presidente da Confederação da República do Equador) e de Ana Triste (a qual passou a ser chamada assim depois da morte do esposo), Araripe jr. exerceu o poder legislativo entre os anos de 1848 a 1849.

Esse personagem da história política cearense era magistrado, formado em Ciências Jurídicas pela Academia de Direito de São Paulo, no ano de 1845. Exerceu diversas funções na área jurídica como: Conselheiro; Juiz Municipal de Fortaleza; Juiz de Direito de Bragança, no Pará; Juiz Especial do Comércio, de Recife; Desembargador das Relações da Bahia e de São Paulo (das quais foi presidente) e da Corte; Ministro do Supremo Tribunal; Ministro da Justiça e da Fazenda, no governo de Deodoro (ESTADO DO CEARA, 2006).

No âmbito político, Tristão de Alencar Araripe foi Presidente das Províncias do Rio Grande do Sul e do Pará; foi Deputado Estadual em três legislaturas, além de exercer o cargo mais alto do Legislativo Estadual cearense, a Presidência da Assembléia Legislativa. Além de todos esses afazeres, ele ainda economizava tempo para se dedicar às obras literárias, que por seu teor histórico e jurídico, eram consideradas bastantes vastas e valiosas em informações historiográficas. Algumas delas foram escritas sob o pseudônimo de Philopoemen, pode-se citar como exemplo, as suas obras mais importantes: História da Província do Ceará e A Questão Religiosa.

Algumas de suas ações foram notáveis pelo tratamento de assuntos de ordem governamental no período em que foi Presidente da Assembléia Legislativa Provincial, dentre eles: criou a Lei número 502 de 22 de Dezembro de 1849: em virtude do art.19 do Ato Adicional, art. 1°, em que ficou elevada a categoria de Vila a povoação de Santa Cruz da Serra de Uruburetama, com denominação de Vila Constituinte, garantindo a Vila os direitos constitucionais da época.

Estabeleceu-se também a Resolução N° 401 de 03 de Agosto de 1848, Art.7, onde já havia presente uma preocupação com a higienização da cidade. A partir dela, ficou proibida inteiramente a criação de porcos soltos na capital, em função dos danos que podem causar a saúde dos habitantes do mesmo. Os animais que eram encontrados nas ruas acabavam sendo recolhidos pelo fiscal, ou por qualquer pessoa do povo. Esses suínos eram destinados a Câmara, ou eram entregues aos seus donos, pagando estes, 2.000 contos de réis de multa por cada um, se dentro de vinte e quatro horas de apreendidos forem eles solicitados (O CEARENSE, 06/01/1848).

Ações elaboradas pelo poder governamental com o intuito de modernizar a região e remoldar a estrutura sócio-urbana de Fortaleza. Pretendeu-se “civilizar”, adequar a população local à ordem social competitiva do sistema capitalista, sobretudo os setores populares, cujos hábitos e costumes eram tidos como rudes e arcaicos pelos agentes (as elites e o poder público) desse processo civilizatório (PONTE, 2001).
No mesmo ano, entrou em discussão o projeto N° 41, que autorizava o governo a contratar com alguma associação particular a abertura de estradas de Maranguape, Baturité e Icó, projeto sancionado pelo Presidente desta Assembléia. Além desse processo de urbanização das localidades cearenses, efetivadas durante a gestão de Tristão Alencar, ele também se destacou como Ministro da Justiça, o qual referendou o decreto que dissolveu a Constituinte da República, pelo golpe de Estado de Deodoro.

Outra ação legislativa por parte da presidência de Tristão de Alencar foi o debate acerca das crises climáticas que afetava a província naquela época. Em um resumo da ata da discussão na Assembléia, foi lido um requerimento do deputado Aires, no qual foi solicitada a nomeação de uma comissão de quatro membros para propor ações eficazes para amenizar o problemas das secas. Discussão que, depois de apoiada, deveria ser executada pela Assembléia Provincial.

Tal postura por parte da administração pública era uma tentativa de solucionar o ciclo de secas que assolava os municípios cearenses na década de oitenta. Tendo em vista que, naquela época, progressivamente, foram se tornando cada vez mais escassos os alimentos para os habitantes locais. Não havia mais criação de carneiros e cabras nas fazendas, as terras da Província do Ceará tornavam-se estéreis para a atividade agrícola e pecuária.

Porém, apesar das discussões parlamentares na casa legislativa cearense em torno do flagelo climático, não há registros posteriores em documentos e jornais da época, que registrem políticas públicas por parte do poder executivo acerca dessa problemática. Demonstrando que as práticas estatais eram insuficientes diante das graves conseqüências sociais para o povo cearense: as discussões e projetos elaborados eram logo arquivados ou recolhidos pelo governo da província (ALVES, 1982).

MANUEL TEÓFILO DE GASPAR OLIVEIRA (1852)
Manuel Teófilo Gaspar de Oliveira foi outro destacado personagem da política no Ceará Imperial. Ele exerceu a presidência da Assembléia Legislativa Provincial durante a segunda metade do século XIX, mais precisamente, no ano de 1852. Filho de Manuel Teófilo (comerciante português) e Isabel Samico Teófilo, o político local nasceu no ano de 1816, e faleceu no ano de 1859, na cidade de Baturité.

Como os demais homens que exerceram a vida pública naquela época, Manuel Teófilo era magistrado, formado em Ciências Jurídicas pela Academia de Direito de Olinda. Na área jurídica, obteve importantes funções como: Juiz Municipal de Sobral (por decreto imperial de 22 de junho de 1843); Juiz de Direito de Baturité, através de um decreto de 04 de julho de 1854. Na época em que era juiz de direito foi removido para a comarca de Cabo, local aonde veio a falecer.

A conjuntura política da época foi marcada por intensas disputas pelo poder. Como noticiava os jornais da época, o partido do Caranguejo (ala conservadora) tinha maioria na província, e que para vencer as eleições locais, se utilizou de meios reprováveis na vida eleitoral cearense. Por parte dos meios de comunicação do governo, era constante a proclamação da pureza de suas eleições. Para esse grupo, a maioria dos membros do partido representava a liberdade de seu governo, sugerindo dessa forma, que essa agremiação partidária era sustentada somente pela própria força e simpatia do povo. Defendendo-se dessa forma das acusações dos liberais, que diziam que práticas ditatoriais, corrupções e perseguições políticas eram uma constante no interior do grupo conservador.

Outro curioso fato que aconteceu no período em que Manuel Teófilo esteve à frente da Assembléia Provincial, foram os diversos conflitos internos na casa legislativa. Segundo noticiários da época, no dia 11 de outubro de 1852, ocorreu mais um episódio de tumulto na Assembléia Provincial. Nessa data, dois membros da instituição, o Deputado Franklin D´Amaral (chefe da maioria) e o Deputado Padre Sarmento, depois de trocarem insultos, um acusando o outro de ladrão e assassino, chegaram às vias de fato na secretaria. Fatos esses que demonstram que o Legislativo Estadual estava num patamar bastante perigoso naquela época, que nem mesmos nas galerias estava-se livre de algum tipo de insulto (O CEARENSE, 15/10/1852).

No início do ano de 1852, durante a gestão de Manuel Gaspar de Oliveira, a província do Ceará foi assolada por uma grave epidemia de febre amarela. Com o surgimento das chuvas, a doença se intensificou, alastrando-se pela capital e todo interior cearense. Em Aracati, por exemplo, em dezembro de 1851, foram tratadas cinqüenta e uma pessoas pelo doutor Castro Carreira, quarenta e quatro destas apresentava sintomas da doença.

Meses depois, o Partido Liberal desferiu duras críticas acerca da atuação do poder executivo (Partido Conservador) em relação à saúde pública. Para os liberais, a febre amarela continuava a matar milhares de cearenses. Cabia então exigir do governador da província, um posicionamento mais consistente acerca da problemática. Nesse sentido, a Assembléia Legislativa, que tinha seu presidente como detentor de posições políticas conservadoras, foi pressionada pelos liberais a exigir mais ações da administração pública local no combate à febre amarela.

Esse embate político-partidário entre conservadores e liberais era um reflexo da radicalização dos atores sociais pela conquista do Estado. Os defensores dos ideais republicanos, que eram oposição ao governo naquele momento, pressionaram o governador e deputados da província acerca de diversos assuntos; tais como saúde pública, segurança, execução das leis jurídicas, etc.

Desse modo, os membros da agremiação política liberal, através de seu órgão de comunicação, o jornal O Cearense, exigiram maiores esforços da Assembléia Legislativa quanto à questão da segurança pública. Para os redatores da mídia impressa, o poder legislativo devia solicitar a administração pública o aumento no número de policiais nas ruas de Fortaleza.

Além desse acirramento político entre os dois partidos, vale também ressaltar o papel da gestão de Manuel Teófilo no processo de urbanização do Ceará. Pois no início de seu mandato, o governo da província foi solicitado a desenvolver obras de reparo na estrada de Maranguape, obra a qual foi executada meses depois.

JUSTINO DOMINGUES DA SILVA (1858-1861)
Outro importante personagem da esfera política do estado do Ceará foi Justino Domingues da Silva, mais outro Deputado Provincial que passou pelo cargo de Presidente do Legislativo Provincial, nos anos de 1858 a 1861. Era filho do rico comerciante Joaquim Domingues da Silva e de Florência Maria de Jesus. Natural do Município de Sobral nasceu em 28.01.1823 e faleceu em 08.07.1907, na cidade de Fortaleza.

Esse conhecido ator do Ceará Imperial tornou-se padre no ano de 1846, pela Diocese do Maranhão. Era bacharel em Direito, formado pela Academia de Direito de Olinda-PE, no ano de 1849, mas interrompeu essa carreira por ter aceitado o pedido do pai para que seguisse a carreira eclesiástica. Eleito Deputado Provincial, exerceu mandato até 1862, sendo que, anos mais tarde, tornar-se-ia Deputado Geral na eleição de 1868, com apoio de Diogo Velho, Presidente da província do Ceara (ESTADO DO CEARA, 2006).

Além de exercer essas funções no âmbito político, o padre era um sábio conhecedor do Direito Civil e Canônico, além de possuir um profundo conhecimento da Literatura Clássica. Chegou a ser Bibliotecário durante a gestão de Freitas Henriques; foi também professor de Francês no Liceu do Ceará, no ano de 1873. Exerceu o cargo de diretor interino da Instrução Pública, por nomeação do Presidente Oliveira Maciel e Fiscal Federal da Faculdade Livre de Direito do Ceará, em que chegou a falecer.

Padre Justino, no exercício de Presidente da Assembléia Legislativa Provincial, aprovou varias resoluções que tiveram impacto para o desenvolvimento do Estado do Ceará. Uma delas foi a Resolução N° 839 de 9 de agosto de 1858, na qual foi estabelecida a categoria de cidade a Villa de Baturité, com a mesma denominação. Resolução aprovada na Assembléia e decretada pelo Doutor João Silveira de Sousa, Presidente da Província do Ceará.

Aprovou também, através da resolução N° 843 do mesmo período, artigos de postura da Câmara Municipal de Villa Viçosa em que, em seu artigo primeiro dizia que qualquer pessoa que recolher gados nos currais do município não sendo para o consumo público, pagaria por cada cabeça, vinte réis diários. Já a Resolução N° 861 de setembro de 1858, oferecia mais formalidade aos integrantes do Poder Legislativo, determinando que no início dos trabalhos da Assembléia Provincial, seja postado na frente da Igreja Matriz da capital um guarda de honra, para fazer continências ao corpo legislativo. (PROVÍNCIA DO CEARÁ, 1858).

Com objetivo de controlar os gastos públicos da Província, a Resolução N° 865 de 16 de setembro de 1859 trouxe o orçamento público que previa a receita, e fixava despesa para o ano de 1859, como explicitado em seu art 1°: a despesa provincial para o ano financeiro que corre do 1° de Janeiro ao último de dezembro de 1859 é orçada na quantia de tresentos e oitenta e dous contos trese mil e setecentos réis. Uma das mais importantes Resoluções da Assembléia Provincial foi a de número 846 de nove de agosto de 1959, em que se autorizava o Presidente da Província a despender a quantia de 20.000$000 de réis para a construção de três açudes nos municípios de Missão Velha, Pereiro e Sobral.

José Pompeu de Albuquerque Cavalcante (1878-1880)
José Pompeu de Albuquerque Cavalcante era filho de José Cavalcante e Joana Maria Cavalcante. Nascido em 10.04.1839, na cidade de Fortaleza, era engenheiro militar formado pela Escola de Guerra do Rio de Janeiro, no ano de 1865. Na vida pública desempenhou diversos tipos de cargos e atividades. Foi eleito três vezes deputado geral (1881-1884; 1885; e 1886-1889) e foi membro do Conselho de Direitos da Instrução Pública da província cearense no ano de 1865. Além disso, ele era o engenheiro e diretor das Obras Públicas em Fortaleza, deixando nesses cargos diversos trabalhos sobre temas acerca de políticas públicas, tais como o melhoramento do Porto de Fortaleza, a construção de açudes no interior e a procura de metais preciosos na região (ESTADO DO CEARA, 2006).

Como presidente da Assembléia Legislativa (1878-1880), sua principal preocupação foi fundamentar leis provinciais capazes de modernizar a região cearense de acordo com as novas exigências do sistema capitalista, e instaurar um maior controle social do Estado perante a sociedade. Nesse sentido, houve várias ações que se preocupavam com a questão dos gastos públicos, a criação de cemitérios, o controle dos índices de violência, etc.

Na capital cearense, por exemplo, a instrução pública era um dos temas de interesse da gestão de José Pompeu. Desse modo, foi elaborado e aprovado o projeto de lei número 39, de ano de 1879, o qual obrigava o poder executivo a criar um espaço na cadeia pública de Fortaleza destinado a educação dos ali encarcerados. Nesse local, deveria haver um padre incumbido de exercer o cargo de professor. Além do sistema prisional, foi criada uma escola infantil em Fortaleza. Durante a mesma época, a Assembléia emitiu um oficio o qual transmitiu a população fortalezense, um projeto de lei que regulamentava a organização de cemitérios pela Casa de Misericórdia (PROVÍNCIA DO CEARA, 16/06/1880).

Em Sobral o tema em foco era a delimitação do perímetro urbano da cidade. Foi aprovada em discussão, a lei número 8 de 1880, a qual definiu os limites urbanos deste município. Isso se sucedeu no mesmo momento em que o Poder Legislativo também homologou o código de posturas, elaborado pela Câmara Municipal sobralense. Dispositivo jurídico que possuiu a finalidade de controlar os gastos financeiros do orçamento municipal efetuados pelos políticos locais. Além disso, esse código serviu como instrumento legal para que a polícia da região pudesse manter a ordem do municipio diante de qualquer tipo de conflito social.

Nessa época, o Ceará Imperial passou por diversos tipos de conflitos sociais, instante em que as cidades do interior da província conviviam com a violência urbana. Pequenos saques em fazendas, revoltas populares e conflitos com as autoridades públicas eram ocasionados pelo acentuado pauperismo dos pequenos agricultores oriundo das crises climáticas. Diante dessa eminente anomalia social, a Assembléia Legislativa aprovou em discussão a lei número 5 de 1880, a qual instaurou um Código de Posturas na cidade de Ibiapina no combate a violência urbana. Em outras palavras, o Estado tentou obter um maior controle social sobre a sociedade civil via coerção.

Considerações Finais
O poder legislativo pretendeu modernizar a região cearense a partir do ordenamento urbano e instalar sua autonomia política em relação ao governo provincial. Esse setor governamental visava adequar a província do Ceará à ordem competitiva do sistema capitalista ao adequar os costumes tidos como arcaicos no processo civilizatório capitaneado pela produção e troca de mercadorias.

Essa postura de desenvolvimento postulada pela Assembléia Legislativa resultou na constituição de novas vilas, na higienização da região, na abertura de estradas e na determinação de perímetros urbanos. Porém, essa modernização foi muitas vezes impossibilitada em detrimento da acirrada disputa política partidária existente na província do Ceará. Em função dos conflitos entre os dois partidos da época (divididos entre liberais e conservadores), a estabilização de uma intervenção urbana foi desestruturada por motivos de privilégios de alguns políticos que foram colocados em risco.

Assim, o desenvolvimento da infra-estrutura no Ceará por parte do agente legislativo foi prejudicado pelo conservadorismo presente na mentalidade dos líderes políticos e administradores públicos locais. Ou seja, a construção de novas obras públicas e uma ação governamental de desenvolvimento ficou “refém” dos interesses particularistas/patrimoniais dos homens do poder na região cearense.


Referências Bibliográficas

ALVES, Joaquim. História das Secas (Século XVII a XIX). 2ed. Mossoró: Guimarães Duque, 1982.

ASSEMBLEIA PROVINCIAL, Jornal Correio da. Fortaleza: Typographia Patriótica de Accarsio, 1839.

BARROSO, José Liberato. Compilação das Leis Provinciais do Ceará: tomo I - 1835 a 1846. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Laemmert, 1863.

BARROSO, Gustavo. A Margem da História. Fortaleza: Imprensa da Universidade do Ceará, 1962.

ESTADO DO CEARA, Assembléia Legislativa do. Presidentes do Poder Legislativo do Ceará: 1835-2006. 4ed. Fortaleza: INESP, 2006

GIRÃO, Raimundo. Evolução Histórica Cearense. Fortaleza: ETENE, 1985.

LEITE FILHO, Rogaciano. A História do Ceará passa por esta Rua. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2002.

NOGUEIRA, Paulino. Presidentes do Ceará Durante a Monarquia. Fortaleza: Revista do Instituto do Ceará, v.3, 1889.

O CEARENSE, Jornal. Fortaleza: 1848 – 1852.

PROVINCIA DO CEARA, Assembléia Legislativa da. Colecção de Leis da Assembléia Legislativa da Província do Ceará. Fortaleza: Typographia Cearense, 1858.

______. Actas da Assembléia Legislativa da Província do Ceará. Fortaleza: Assembléia Legislativa da Província do Ceará, 1880.

PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reforma urbana e controle social (1860 – 1930). 3ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 2001.

SOUSA, Simone de. História do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1994

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