sexta-feira, 11 de março de 2011

IDEOLOGIA, MÍDIA E PODER: A COBERTURA DO TELEJORNAL DA GLOBO NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS 2006

por Dennis de Oliveira Santos


Resumo
No presente artigo propõe-se analisar como o telejornal da Globo cobriu as eleições presidenciais 2006, percebendo se essa fonte midiática efetuou a sua função a partir de uma isenção jornalística, ou se tendeu a postular posicionamentos valorativos em nome de algum interesse privado. Adota-se metodologicamente os estudos da sociologia compreensiva, buscando compreender a ação social efetivada por essa instituição.

Dessa forma, durante determinados eventos políticos, como o caso das eleições presidenciais, por exemplo, percebe-se como a televisão detém um poder decisivo na constituição de visões de mundo dos indivíduos acerca de sua esfera socio-política em geral, tornando-a um dispositivo de produção do próprio poder de nomeação da esfera política.
Palavras-Chave: mídia, política, democracia, ideologia, televisão.

Abstract
In the present article it is considered to analyze as the televising periodical of the Globe covered presidential elections 2006, perceiving if this media source it effected its function from a journalistic exemption, or if it tended to claim valuations positionings on behalf of some private interest. As methodology adopts the studies of comprehensive sociology, searching to understand the social action accomplished by this institution. Of this form, during events politicians, as the presidential elections for example, it is perceived as the television in general withholds a decisive power in the constitution of visions of world of the individuals concerning its sphere socio-politics, becoming the television a device of production of the proper one to be able of nomination of the sphere politics.
Word-key: media, politics, democracy, ideology, television.



Considerações Iniciais
Na era da globalização alteram-se qualitativamente as formas de sociabilidade e de jogo das forças sociais. Nessa época, as tecnologias eletrônicas cada vez mais vêm tornando-se os principais meios de comunicação de massa, que auxiliam na formação da opinião pública.

Nesse ambiente, a televisão, sucesso absoluto de audiência mundial, detém um poder decisivo na constituição de visões de mundo dos indivíduos acerca de sua esfera social e acontecimentos políticos em geral. No Brasil, os telejornais possuem esse abrangente e predominante papel de comunicação, o qual informa seus telespectadores acerca dos acontecimentos do cotidiano político brasileiro.
Diante disso, visa-se analisar como o telejornal da Globo cobriu um importante acontecimento político nacional: as eleições presidenciais 2006. Através de uma reflexão sociológica, detectar se esse instrumento midiático efetuou a cobertura das eleições a partir de uma isenção jornalística, ou tendeu a postular posicionamentos valorativos em nome de algum tipo de interesse privado, o que conseqüentemente, pode causar uma manipulação da opinião pública e conseqüentemente remodelar a visão da população acerca do âmbito político.

Adota-se metodologicamente os estudos da sociologia compreensiva, em função dessa tendência das ciências sociais ser a mais adequada para o caso em estudo. Foram escolhidas as reportagens referentes às eleições presidenciais 2006, durante os meses de setembro a novembro de respectivo ano. Nesse contexto, vislumbra-se a possibilidade de analisar como esse meio de comunicação relatou um decisivo momento para a democracia do país.

O Príncipe Eletrônico
Através da Sociologia visa-se compreender os motivos e peculariedades que sustentam as relações sociais, os quais influenciam o funcionamento das instituições da sociedade e a diversidade de ações sociais praticadas pelos sujeitos. Porém, ao eleger algum elemento dessas relações sociais como objeto de estudo científico, deve-se ter em mente que, ao contrário das ciências da natureza, esse objeto é composto de uma diversidade quase infinita de características, onde impera a caoticidade e multiplicidade de elementos. A partir dessa constante fragmentação da realidade societal, o sociólogo procura então compreender uma individualidade sociocultural formada de componentes históricos agrupados, cujo passado se remonta para compreender o presente funcionamento de uma relação social.

Diante disso, a Sociologia confecciona um procedimento metodológico próprio, apto a captar essas peculariedades das relações sociais: os tipos ideais. Estes são “vazios” frente à realidade histórica concreta e distanciado desta, mas unívocos porque visam ser fórmulas interpretativas que possibilitam uma explicação racional para a realidade empírica. Sendo que o valor dessa construção teórica que são os tipos ideais é decorrente de sua concordância entre a adequação do sentido que propõe e a prova dos fatos.

Então, o cientista social atribui sentido aos fragmentos selecionados da realidade social, já que esse é caótico e fragmentado: destaca-se certos aspectos do objeto os quais se apresentam ao pesquisador como relevantes ao princípio de seleção situado nos valores de quem pesquisa. Entretanto, a profundidade do estudo não é determinada apenas pelas idéias valorativas atribuídas pelo pesquisador, mas sim pelo método e os conceitos de que ele se utiliza para alcançar as normas de validez científica.

Para que seja feita uma construção teórica existe a necessidade de um relevante grau de conhecimento acerca da realidade social a ser analisada, o que fornece a possibilidade de que os tipos sejam construídos a partir da experiência histórica. Dessa forma, o modelo de interpretação-investigação que é o tipo ideal, torna-se um guia para o cientista social navegar diante da infinitude do real. Esse procedimento teorético não é um fim em si mesmo, não é a própria realidade, mas sim um instrumento que possibilita ordenar os fenômenos sociais e deixá-los suscetíveis a pesquisa:

Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções, determinam o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e termologia mais lúcidas (WEBER, 1979, p. 372).

O tipo ideal a ser construído para a presente análise científica fundamenta-se inicialmente na história da teoria e prática política. Tudo se inicia sob a figura do príncipe, postulado por Maquiavel, ícone teórico que, a partir do século XVI funda a moderna ciência política. Incontestável é sua influência para a prática política, momento em que numerosos governantes utilizam-se dos escritos maquiavélicos em suas ações políticas. Esses líderes ordenam suas praticas à partir do conceito de príncipe, que para o pensador de Florença é uma pessoa, uma figura política, um líder capaz de inteligentemente articular suas qualidades de atuação e liderança (virtú) junto as condições sociopolíticas pré-existentes no seu campo de atuação (fortuna), as quais são ditadas pelo acaso que domina a história humana. A virtú é característica fundamental para o sucesso das ações do líder político. Porém, essa habilidade do príncipe defronta-se a todo instante com a fortuna, que pode ser ou não favorável a concretização de um dado intuito político. É o que o renascentista italiano afirma:

Nos principados inteiramente novos, onde haja um novo príncipe, se encontra dificuldade maior ou menor para mantê-los, conforme tenha mais ou menos predicados (virtú) aquele que os conquista. E como o fato de passar alguém de particular a príncipe pressupõe o valor (virtú) ou a fortuna, é de crer que uma ou outra dessas coisas atenue em parte muitas dificuldades. (...) Comparo a fortuna a um daqueles rios, que quando se enfurecem, inundam as planícies, derribam árvores e casas, arrastam terra de um ponto para pô-lo em outro: diante deles não há quem não fuja, quem não ceda no seu impulso, sem meio algum de lhe obstar. Mas, apesar de ser isso inevitável, nada impediria que os homens, nas épocas tranquilas, construíssem diques e canais, de modo que as águas, ao transbordarem do seu leito, correrem por estes canais ou, ao menos, viessem com fúria atenuada, produzindo menos estragos (MAQUIAVEL, 1946, p. 37-43).

Séculos mais tarde, o pensador político italiano Gramsci desenvolve a teoria do moderno príncipe, adaptando a concepção do príncipe maquiavélico com a finalidade de atender os desafios históricos e sociais persistentes no século XX. Esse novo príncipe refere-se a um partido político enquanto intérprete das questões sociais de interesse de grupos e classes sociais. Um príncipe que é uma espécie de “intelectual coletivo”, capaz de interpretar e representar no cenário político os seus membros, assim como as necessidades gerais de outros setores da sociedade. Portanto, no âmbito da sociedade de classes, gestada nas contradições do sistema capitalista, o príncipe gramsciano estaria empenhado em expressar amplamente as reivindicações e inquietações da sociedade, podendo assim, realizar uma “metamorfose social” no cenário das instituições políticas. Fundamentações teóricas percebidas na fala do próprio autor:

O moderado príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoal real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo da sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais. (...) É preciso também definir a vontade coletiva e a vontade política em geral no sentido moderno; a vontade como consciência atuante da necessidade histórica, como protagonista de um drama histórico real e efetivo (GRAMSCI, 1968, p. 6-7).

Como se percebe esses “arquétipos” ou “tipos ideais” desses dois teóricos são construções teóricas que visaram responder os diferentes aspectos histórico-sociais, próprios de cada contexto que estão inseridos. Em cada momento histórico, com necessidades e formações políticas de atuação distintas entre si, o dirigente e as condições políticas tendem a fomentarem novas especificidades em suas relações sociais, o que implica em novas avaliações teóricas acerca do tema.

Desse modo, reconhece-se outros desafios históricos-sociais presentes em pleno século XXI, tendo em vista como o curso da globalização cada vez mais tem transformado os Estados-nações numa minúscula “aldeia global”, capitaneados e interligados pelos modernos aparelhos de comunicação (internet, televisão, satélite, etc). Diante desse quadro, cabe indagar se os arquétipos formulados por Maquiavel e Gramsci conseguem captar amplamente os “enigmas” sociais marcados pela era do globalismo. Eis então a resposta:

No fim do século XX, há sérios indícios de que os “príncipes” de Maquiavel e Gramsci, assim como outros teóricos da Política, envelheceram, exigem outras figurações ou simplesmente se tornaram anacrônicos (IANNI, 2000, p. 143).

Aparentemente, pode parecer que a resposta fornecida pelo sociólogo brasileiro coloca esses teóricos como obsoletos frente as atuais estruturas sociais. Porém, analisando de uma forma mais detalhada, assim como Gramsci reconfigurou o pensamento de Maquiavel, pode-se fazer o mesmo em relação aos dois pensadores, para que assim esteja-se apto a vislumbrar o atual estágio do globalismo mundial.

Tanto o habilidoso príncipe de Maquiavel como o moderno príncipe de Gramsci organizam e desempenham um modelo político no século XXI: o conceito de hegemonia. Nesse sentido, tais tipos ideais, em última instância, possuem a capacidade de construírem hegemonias, consolidarem o desenvolvimento da soberania de atores e instituições sociais. Porém, o que vem a ser hegemonia, sociologicamente falando?

Atualmente o mundo passa por intensas transformações em suas relações sociais: o desenvolvimento de uma sociedade civil internacional, a expansão do capitalismo e seus mecanismos de mercado (globalização) e a desintegração das unidades políticas-culturais dos Estados-nações. Esse fenômeno social baseia-se na vitalidade econômica da sociedade civil, processo que corresponde ao enfraquecimento moral e intelectual de seu seio. Esse movimento tende a assinalar a compreensão da esfera pública enquanto um instrumento de se alcançar interesses privados e empresariais.
Diante disso, o declínio do homem político pelo econômico resulta em questões como as privatizações e o Estado Mínimo, o que traz a compreensão da vida em termos de lucro e utilidade econômica, acarretando uma profunda transformação acerca da concepção do que significa o ser humano: do homem enquanto homo politicus ao homo economicus.

Tudo isso é efetivado à partir da conquista de uma hegemonia política, que é a supremacia de um grupo ou classe social sobre outros grupos ou classes. Ela é a capacidade que uma determinada classe tem de coordenar politicamente as demais classes; a qual se estabelece a partir de diferentes meios de recurso à violência ou à coerção. É o que se constata nas reflexões gramscianas:

O critério metodológico sobre o qual se deve basear o próprio exame é este: a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como domínio e como direção intelectual e moral. Um grupo social domina os grupos adversários, que visa a liquidar ou submeter inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados (GRAMSCI, 2002, p. 62).

Portanto, a hegemonia de uma classe social se dá como exercício de direção moral e intelectual sobre os grupos associados e através do exercício de domínio para submeter os grupos adversários. Porém, através de quais mecanismos uma classe que representa a concepção burguesa consegue dirigir intelectualmente e moralmente seus grupos oponentes, alcançando assim a hegemonia política para ditar seus valores? Eis aí que surgem os meios de comunicação eletrônica, em especial a televisão como um moderno aparelho midiático, o qual consegue trazer o consenso de opiniões a maioria da população.

Em plena era de globalização, as tecnologias eletrônicas e informáticas impregnam de forma generalizante os valores do mercado nas esferas da sociedade nacional e internacional, o que acentua sua importância nas estruturas do poder. Esse é o ambiente em que se forma o Príncipe Eletrônico (IANNI, 2000), tipo ideal construído, sem o qual seria difícil compreender a dinâmica da prática política na era do globalismo.

Nesse contexto mundial, o Brasil representa para os interesses financeiros do empresariado nacional e estrangeiro, um mercado cultural bastante cobiçado. Logo se percebe como o crescimento da indústria cultural cada vez mais se utiliza de habilidosos mecanismos, como por exemplo, a manipulação da linguagem, tanto aos moldes elitistas como populares capazes de consolidarem esse poder midiático. São ações que possuem a intenção de investir para marcar presença comercial, promover a própria imagem empresarial frente ao público para que se consiga mais lucro com seus produtos. Nesse contexto, não se deve esquecer que a indústria cultural brasileira está sobre atenuada dependência econômica do capital estrangeiro.

Esse é o novo palco da história, que está além de um quarto poder, o qual consegue através do uso de formas simbólicas criar ou reproduzir relações de dominação: a alteração radical dos quadros referenciais das instituições políticas e as referências sociais dos sujeitos. Desse modo, o príncipe eletrônico absorve, recria ou simplesmente ultrapassa as instituições “clássicas” da política já que suas técnicas legitimam sua hegemonia nas relações sociais. Num espaço social existem constantes e desiguais relações de forças entre dominantes e dominados. Na luta pelo poder de conhecimento, no qual se forma o monopólio da violência simbólica, legitima-se então uma transformação ou conservação desse campo de forças. Diante disso, como se estrutura o campo telejornalístico e quais as suas conseqüências sociais?

O telejornalismo é um campo que está sob a pressão do campo econômico, o qual submete cada vez mais a programação desse meio de comunicação aos seus interesses. É aí que a lógica comercial impõe seus produtos. Através dos índices de audiência, a ideologia do mercado torna-se a instância legitimadora da política, da arte, de tendências sociais. Afirmações que podem ser verificadas teoricamente:

O campo do jornalismo tem uma peculariedade: é muito mais dependente das forças externas que todos os outros campos de produção cultural. (...) O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência (BOURDIEU, 1997, p. 76-77).

Na relação com os índices de audiência estão os critérios de seleção daquilo que será apresentado ao público: a mídia televisiva cria outra realidade ao telespectador quando manipula e detêm o poder daquilo que ela julga ou não ser relevante como notícia. Ela exagera a importância dos fatos, dramatiza imagens, etc. Nesse sentido, os acontecimentos são relacionados a partir do princípio do espetacular, do sensacional. Diante da pressão comercial, a mídia oculta algo o mostrando de forma superficial, descontextualizado, apresenta algo diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o que supostamente alega fazer, ou seja, informar. Ou ainda, mostra o que é preciso mostrar, mas apresenta de um modo tão insignificante, marginalizado, que acaba confeccionando um sentido oposto à realidade daquele fato. O instrumento de registro torna-se então um meio de criação de realidades, formando um campo de produção simbólica com pouca autonomia, pois:

Os jornalistas tem “óculos” especiais a partir dos quais vêem outras coisas e não outras; e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma relação e uma construção do que é relacionado. (...) O princípio de seleção é a busca do sensacional, do espetacular (BOURDIEU, 1997, p. 25).

Portanto, a televisão e o seu telejornalismo são potentes instrumentos de manutenção da ordem simbólica, no qual se manifesta a hegemonia de um grupo social em forma de domínio intelectual e moral de grupos adversários: a opinião pública é moldada a partir dos interesses dessa classe economicamente dominante. O equivale afirmar que relevantes informações para o conhecimento público são descartadas em nome de interesses privados, e ainda são impostos a sociedade determinados critérios de seleção das informações.

O telejornal é um instrumento de criação da realidade que esconde essa função sob a máscara de mera observadora dos acontecimentos: ela se põe como isenta de pressupostos valorativos, mantedora da neutralidade jornalística. Com isto, o exercício da cidadania é posto em xeque, já que a televisão assume de imediato uma posição determinada nas lutas políticas: ela cria uma realidade que molda intelectualmente os indivíduos, impossibilitando um posicionamento crítico desses sujeitos.

Enfim, o príncipe eletrônico é uma entidade ativa e nebulosa, invisível, porém presente, ambígua e predominante, nacional e mundial, na qual se expressa a visão de mundo típica dos blocos de poder mercadológico de escada mundial, afetando todas as nações. Essa grande corporação auxilia na metamorfose de mercadoria em ideologia, opera decisivamente na formação de opiniões e comportamentos em escala global, impregnando amplamente a política com seus objetivos financeiros (IANNI, 2000).

Em diferentes modos, esse príncipe influencia, transforma ou subordina as instituições políticas como um todo. Eis aí a fábrica de hegemonia, que teriam sido prerrogativas do príncipe de Maquiavel e do moderno príncipe de Gramsci. Agora a hegemonia pertence ao príncipe das objetivações mercadológicas, o qual detém a possibilidade de trabalhar a virtú e a fortuna, tornando-se bastante influente nos diversos setores da sociedade: ele exorcisa, salva, problematiza ou resolve qualquer questão a partir da manipulação da opinião pública. Assim, se instaura a nova ágora política, agora bastante reformulada, num ambiente eletrônico, no qual, ao invés dos homens se reunirem e resolverem seus problemas de forma consciente e crítica, esses sujeitos agora navegam, assistem e flutuam numa realidade artificial e imposta, buscando de alguma forma salvarem-se.

A Formação Histórica do Príncipe Eletrônico Global
Como foi discutido anteriormente, o tipo ideal é um importante instrumento de investigação da realidade social, mas esse mecanismo metodológico não pode ser considerado o próprio campo empírico ou confundido com este. Sua função é ordenar a empiria, torná-la acessível a pesquisa. Desse modo, ciente de como se estrutura os mecanismos do controle social utilizado pela televisão, busca-se a formação histórica da instituição detentora do telejornal em pauta para perceber como ao longo dos anos se instaurou um oligárquico poder televisivo.

Desde 1950 o país vem experimentando rápidas transformações sociais advindas de uma intensa industrialização e urbanização. Foi nessa época que o governo Vargas começou a investir na indústria pesada e em equipamentos de produção de bens de consumo duráveis. É nesse contexto que a televisão brasileira é inaugurada, em instalações bastante precárias.

Essa primeira fase da televisão no país (1950-1964) corresponde ao seu uso feito em moldes elitistas, momento em que o televisor era considerado um luxo ao qual apenas a elite econômica tinha acesso. Havia no país apenas duzentos aparelhos de tv, os quais eram pertencentes a membros da elite econômica. E o preço desse produto era três vezes mais que o da mais sofisticada radiola da época (MATTOS, 2002).

Essa formação elitista foi preponderante para a formação dos intuitos dos programas televisivos. É nesse ambiente que começou a serem formadas as oligarquias midiáticas, movidos pela moderna dinâmica de produção imposta pelo capital estrangeiro: a televisão brasileira surgiu numa década marcada pela reconfiguração do mercado nacional a partir da irrupção do capitalismo monopolista. Eis então o momento em que foi criado o Príncipe Eletrônico Global, pois não se pode discutir o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no país a partir da década de 60 sem abordar a Rede Globo (SODRÉ, 1977).

A grande composição internacional Time-Life não demorou em encontrar empresários receptivos ao seu alto poder aquisitivo de capital estrangeiro no Brasil. Havia no Rio de Janeiro as organizações Globo, proprietária do jornal O Globo entre outros empreendimentos. Essa organização brasileira, de tendência marcadamente conservadora, estava presente na lista de jornais subornados pela publicidade estrangeira para mover campanhas políticas, como por exemplo, contra a nacionalização do petróleo. Então, no ano de 1962, a Globo assinou com a Time-Life dois contratos e passou a ser subvencionada por milhões de dólares (HERZ, 1987).

A partir da intervenção do capital estrangeiro, o príncipe eletrônico global abriu uma fase de modernização dos sistemas de comunicação de massa, instaurando práticas empresariais compatíveis com pretensões privado-comerciais nunca observadas antes no país. Assim, a Rede Globo consolidado passou a expressar unilateralmente a visão de mundo preponderante nos blocos de poderes econômicos reinantes, em escala nacional e internacional, habitualmente articulados. Instituição midiática que, a partir da constituição de sua hegemonia sócio-política possui um papel decisivo na formação da opinião pública:

A indústria da manipulação das consciências é uma criação dos últimos cem anos. Seu desenvolvimento tem sido tão rápido e tão diversificado que sua existência permanece ainda hoje incompreendida e quase incompreensível. (...) A indústria da manipulação das consciências nos vai constranger, a que consideremos uma potência radicalmente nova, em crescente desenvolvimento, impossível de ser medida com base nos parâmetros disponíveis (ENZENSBERGER, 1969, p. 7-17).

Assim, a televisão tornou-se uma poderosa técnica social: trata-se de um meio de informação e propaganda presente de forma ativa no cotidiano das pessoas, dando margem para que se estabeleça uma interpretação televisiva própria acerca da realidade social. Com a hegemonia do poder ela tende a selecionar, enfatizar, satirizar ou esquecer os fatos das instituições sociais existentes. Logo o poder do príncipe eletrônico global foi ampliado. No anos de 1964 as indústrias eletrônicas produziram um grande número de aparelhos de tv para o mercado nacional: houve um aumento de 24,1% de vendas de aparelhos nessa década (MATTOS, 2002).

Percebendo a rápida industrialização da tv a partir de novas tecnologias e do investimento do capital estrangeiro, a ditadura militar (observando o grande potencial de controle social presentes nesse instrumento midiático) passou a financiar os meios de comunicação de massa como forma de manutenção do status quo frente a opinião pública.

A Globo, que conservou boas relações com o regime militar, a fim de garantir sua hegemonia no mercado foi beneficiada através de subsídios, empréstimos, isenção de impostos e publicidade oficial oferecida pelo governo militar. No ano de 1971 essa empresa deu outro passo decisivo para a consolidação de seu poder ao criar um departamento de pesquisa, através do qual planejou a publicidade e adaptou seus programas para diferentes gostos. No ano seguinte, com a chegada da televisão colorida no país, ela consolidou de vez sua liderança de mercado.

Anos mais tarde, com a hegemonia constituída em 1982, o papel da Rede Globo nas eleições daquele ano era apenas o de preparar a opinião pública para o que iria acontecer acerca desse evento. Porém, em seis estados da federação (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Alagoas, Pernambuco e Mato Grosso) foi descoberto a tentativa de condicionamento da opinião pública desenvolvida pela emissora e a da manipulação fraudulenta da totalização dos votos pela empresa Proconsult (instituição ligada a Globo). Nesse episódio houve vários indícios de que a Globo distorceu os métodos de apuração dos votos visando prejudicar os candidatos que tinham uma postura crítica acerca da intervenção do capital estrangeiro no país, como foi o caso de Leonel Brizola nessa época (HERZ, 1987).

Esse fato atesta para o predomínio do poder televisivo como ativo instrumento nos eventos que ela empenhadamente cobre. Ao invés de ser uma observadora/repórter dos eventos, ela está intrinsecamente envolvida nos acontecimentos, tornando-se parte integrante da criação da própria realidade que noticia. Nesse contexto, buscando conquistar o comércio de mercadorias e publicidade, as corporações multinacionais se tornam importantes agentes, os quais são decisivos na expansão das tecnologias de comunicação como representante de seus interesses corporativistas frente a sociedade:

Há, portanto, toda uma vasta e complexa rede de articulações corporativistas envolvendo mercados e idéias, mercadoria e democracia, lucratividade e cidadania. (...) Na busca de uma receptividade pública e na eliminação da atividade crítica, as firmas multinacionais tem uma arma valiosa a seu dispor: a publicidade e a movimentação de pessoal em campo (IANNI, 2000, p. 151).

Posteriomente, no ano de 1987, Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, publicou um editorial de sua própria autoria, no qual ele enalteceu e justificou os objetivos econômicos e ideológicos da ditadura militar e opôs-se a campanha pela redemocratização do país:

Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada. (...) O Globo, desde a Aliança Liberal, quando lutou contra os vícios políticos da Primeira República, vem pugnando por uma autêntica democracia, e progresso econômico e social do País. Em 1964, teria de unir-se aos companheiros jornalistas de jornadas anteriores, aos 'tenentes e bacharéis' que se mantinham coerentes com as tradições e os ideais de 1930. (...) O Presidente Castello Branco, em seu discurso e posse, anunciou que a Revolução visava à arrancada para o desenvolvimento econômico, pela elevação moral e política. Dessa maneira, acima do progresso material, delineava-se o objetivo supremo da preservação dos princípios éticos e do restabelecimento do estado de direito. (...) Neste momento em que se desenvolve o processo da sucessão presidencial, exige-se coerência de todos os que têm a missão de preservar as conquistas econômicas e políticas dos últimos decênios. O caminho para o aperfeiçoamento das instituições é reto. Não admite desvios aéticos, nem afastamento do povo. Adotar outros rumos ou retroceder para atender a meras conveniências de facções ou assegurar a manutenção de privilégios seria trair a Revolução no seu ato final (MARINHO, 1984, p. 5-7).

O patrono da emissora televisiva, em vários depoimentos se identificava político-ideologicamente com a estrutura e intuitos da ditadura militar. Fato que é ilustrado por um trecho de sua fala, no qual ele comenta sobre seu envolvimento com a ditadura militar:

Eu me dava muito com os militares, porque sou um pouquinho da direita, digamos... Eu gosto de ordem, gosto de obediência, de respeito, eu sempre obedeci aos meus superiores e eu gosto que me obedeçam. Acho que tem que existir hierarquia senão vira bagunça e isso existe nos militares (BIAL, 2004, p. 270).

Depois de visualizar toda a moção popular em torno das diretas já e concluir de que não era mais possível enfrentar a opinião pública com um posicionamento conservador, a Rede Globo passou a cobrir o processo de redemocratização. Em 1987, houve uma interessante reportagem, na qual Roberto Marinho admite usar o poder midiático para concretizar posições políticas e até derrubar políticos que se opõem as suas posições empresariais:

“Sim, eu uso o poder”, confessou o empresário ao jornal norte-americano, “mas sempre de maneira patriótica, tentando corrigir as coisas, procurando caminhos para o país e seus estados. Nós gostaríamos de ter poder suficiente para consertar tudo o que não funciona no Brasil. A isso dedicamos nossas forças”. (...) “Num determinado momento, eu me convenci de que o senhor Leonel Brizola era um mau governador”, afirmou o empresário. “Ele transformou a Cidade Maravilhosa num pátio de mendigos e marginais. Passei a considerar o sr. Brizola perigoso e lutei, realmente usei todas as minhas possibilidades, para derrotá-lo nas eleições” (NEPOMUCENO, 1987, p. 9).

Tanto esse depoimento como o anterior acerca dos objetivos da ditadura militar evidencia claramente como é falaciosa a neutralidade jornalística dessa instituição. Ainda mais quando se observa que Roberto Marinho alega que se utiliza de seu poder midiático para legitimar determinadas posições políticas. Percebe-se como a corporação mídia realiza limpidamente a metamorfose da mercadoria em ideologia. Ela estabelece as principais implicações da indústria cultural, se utilizando da reprodução cultural para operar de forma decisiva na formação das mentes. Em outro momento, Roberto Marinho, escrevendo o editorial do telejornal de sua emissora, acusou o político Brizola de “(...) senil, bajulador e paranóico” (BIAL, 2004, p. 228).

E assim, o príncipe eletrônico global foi consolidando seu poder. No ano de 1986, a presença de Antônio Carlos Magalhães no Ministério das Comunicações ampliou a influência da Rede Globo. Um dos episódios desse relacionamento foi a transferência do controle acionário da Nec do Brasil, pertencente ao empresário Mário Garnero, para Roberto Marinho. Em troca, o ministro ganhou bastante notoriedade nos telejornais da Rede Globo, havendo constantes comentários acerca da atuação do político baiano nos telejornais (HERZ, 1987).

Na década de 90 não foi diferente, durante o primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso priorizou-se a privatização das empresas de telecomunicações. As grandes redes de televisão (GLOBO, BANDEIRANTES, SBT, RECORD) ficaram com o restante de redes e emissoras de segmentos incentivados pelo governo. Em 1995, uma emenda constitucional permitiu essa privatização, o que atendeu aos desejos dos radiodifusores. Fato esse que demonstra que as privatizações dos setores públicos, capitaneadas pelas ações governamentais do governo FHC iam de encontro com o posicionamento mercadológico da emissora Rede Globo.
Enfim, detecta-se que a formação histórica da Rede Globo conduz a uma hegemonia social na qual se forma uma política eletrônica capaz de manobrar a opinião pública. Dessa forma, o príncipe global tende a impor seus interesses corporativistas sobre as instituições “clássicas” da política, modificando figurações e objetos a fim de desenvolver a política em favor de seus interesses comerciais.

A Cobertura das Eleições Presidenciais 2006
Conhecendo os intuitos e a formação histórica da Rede Globo pode-se agora analisar como foi efetivado a cobertura jornalística do telejornal intitulado Jornal da Globo acerca das eleições presidenciais 2006. Obviamente, um dos primeiros preceitos defendidos pela emissora durante a cobertura dos fatos envolvendo os candidatos presidenciais foi a imparcialidade jornalística: se tem uma coisa que tem alegrado a nós, jornalistas da Tv Globo, é o alto grau de isenção que temos conseguido imprimir (DIAS, 2006, p. 4). Porém, essa premissa jornalística não é detectável no discurso e ações dos atores envolvidos nesse telejornal.

As eleições presidenciais foram disputadas por vários candidatos, mas só dois possuíam chances reais de vitória de acordo com os especialistas. O favorito era o então presidente da República e candidato à reeleição Luís Inácio Lula da Silva. Ele era o representante do Partido dos Trabalhadores (PT), segmento partidário que teve sua origem nos movimentos sindicais. Em seu programa político se opôs as privatizações, apesar da longa “mutação” programática que o partido teve até a conquista do poder; tendo inclusive muitos de seus membros envolvidos em escândalos de corrupção, o que contradiz um dos preceitos sempre defendidos pelo partido: a ética na política.

O outro candidato era Geraldo Alckmin, ex-governador do estado de São Paulo. Ele era o representante do Partido Social-Democrata Brasileiro (PSDB), que foi fundado por dissidentes do PMDB descontentes com os rumos políticos desse partido no período de redemocratização do país. Apesar de se apresentar como um partido social-democrata, quando elegeu como presidente Fernando Henrique Cardoso, ao invés de concretizar um Estado de Bem Estar Social a população se aliou ao Partido da Frente Liberal (PFL) para pôr em prática uma política neoliberal em que foram privatizados diversos órgãos estatais.

Diante disso, começa-se a análise do discurso por um debate acerca dos programas partidários sobre a questão dos transportes. Nesse episódio foi convidado um representante de cada partido para responder algumas perguntas dos apresentadores do telejornal. Primeiro foi entrevistado João Carlos Meirelles, representante de Alckmin:

O programa do PSDB se propõe a investir R$ 37 bilhões em transporte. Como vai ser esse cronograma de obras? (...) Como vai ser possível esse cronograma que o senhor acabou de dizer com a proposta de déficit nominal zero, que é uma promessa da coligação? (GLOBO, 25/10/2006).

A seguir, as perguntas foram direcionadas a Marco Aurélio Garcia, representante de Lula:

O programa do PT lista várias obras rodoviárias a serem realizadas nos próximos quatro anos, no próximo governo, caso seja reeleito, quanto isso vai custar e o que tornaria isso uma prioridade, com a baixa capacidade de investimento do Estado? (...) Quando a gente fala em infra-estrutura, praticamente todas as pessoas concordam que o que foi feito até agora é pouco. O país é carente de mais obras, não só as de manutenção. Não há necessidade de estradas novas, não há necessidade de se começar novos projetos, além de recuperar? (GLOBO, 25/10/2006).

Detecta-se nesses trechos uma clara parcialidade dos apresentadores do telejornal. Pois, enquanto que para o primeiro entrevistado as perguntas são abertas, referentes apenas ao esclarecimento do programa político em pauta, ao segundo entrevistado as indagações são permeadas de posições valorativas feitas pelos jornalistas. Isso é observável no fato de que antes de se fazer o questionamento o próprio profissional televisivo infere uma posição afirmativa para depois fazer a indagação. Numa evidente tomada de posicionamento valorativo, o ancora afirma algo no sentido de criticar a atual gestão administrativa (ocupada pelo candidato Lula): “quando a gente fala em infra-estrutura, praticamente todas as pessoas concordam que o que foi feito até agora é pouco”.

Essa postura jornalística é uma espécie de censura invisível, no qual o acesso às discussões na televisão tem como contrapartida uma clara censura. Existe uma perda de autonomia nos assuntos discutidos, pois o assunto é imposto. Manobrando valorativamente sobre restrições e críticas, o jornalista vai progressivamente impondo uma censura sobre o convidado. O apresentador cria uma série de mecanismos “(...) que fazem com que a televisão exerça uma forma particularmente perniciosa de violência simbólica” (BOURDIEU, 1997, p. 22). Ou seja, no caso em questão o jornalista valorizou um entrevistado (o representante de Alckmin) em detrimento de ter marginalizado/censurado com posições valorativas o outro debatedor (o representante de Lula).

A emissora televisiva cria de forma indireta, invisível sobre o discurso da isenção jornalística um monopólio simbólico sobre a formação de opiniões de uma parcela muito importante da população. Em outro momento da cobertura das eleições, o telejornal comentou acerca dos resultados obtidos pelo PFL durante o primeiro turno das eleições:

O PFL, o principal partido brasileiro de centro direita, perdeu terreno nas eleições. Só conseguiu fazer um governador, e sofreu um grande revés em Pernambuco. (...) O senador Jorge Bornhausem lembra que o PFL ainda tem a maior bancada no Senado. E não acredita que o partido deva rever suas bandeiras e estratégia por causa de uma única eleição (GLOBO, 30/10/2006).

Nessa reportagem percebe-se a dissimulação da notícia, que consiste em ocultar, negar ou obscurecer as informações. Existe aí uma ocultação de informação quando foi afirmado que o PFL é “o principal partido brasileiro de centro direita”. Esse discurso possui um fundo de manobra política, o qual visa tornar esse segmento partidário mais próximo dos anseios populares, caracterizá-lo como centrista, tentando amenizar suas posições ideológicas de extrema direita. Pois o mesmo é considerado como um partido de direita e conservador: defende a lei de livre mercado, apoiou as privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso e é um reduto de velhas oligarquias, sobretudo no Nordeste, como é o caso de Antonio Carlos Magalhães. Além disso, seu espectro ideológico surgiu da extinta Arena, partido conservador na época da ditadura militar (CAMPELLO, 1997).
Um outro exemplo dessa dissimulação da notícia televisiva foi o que a emissora fez com o último debate entre Lula e Collor em 1989: os analistas afirmam que a relação de informações feitas pela Globo foi decisiva no resultado das eleições daquele ano (GUARESCHI, 2005). Situação que se torna mais emblemática quando é observado o posicionamento de Roberto Marinho acerca do político do Partido dos Trabalhadores: 'doutor Roberto, o senhor conhece bem o Lula?' 'Eu tenho uma certa antipatia por ele, porque ele se aliou ao Brizola' (BIAL, 2004, p. 270).
Nessa mesma época, o ator televisivo Lima Duarte, o qual fazia bastante sucesso com a personagem Sassá Mutema na novela "O Salvador da Pátria" foi convidado pelo partido do PSDB para ser candidato como vice-presidente na chapa do partido. Manobra política por parte da emissora junto a esse partido que visava opor-se a candidatura do PT (ARAÚJO, 22/03/2006). Posteriormente foi entrevistado o candidato Lula, momento no qual houve toda uma imposição valorativa de posicionamentos nas indagações dos jornalistas âncoras do telejornal:

O senhor tem elogiado bastante o desempenho da economia brasileira. Mas se nós compararmos o desempenho da economia brasileira com o desempenho dos seus principais concorrentes – por exemplo, China, mesmo a Venezuela de seu amigo Chavez, ou Rússia, ou Chile – nós somos o que menos crescemos. Por que? (...) O seu programa de governo, lançado ontem, não toca na redução de carga tributaria. No começo do seu governo, o então ministro Antônio Palocci garantiu que a carga tributaria não aumentaria – compromisso, esse que não foi cumprido. Por que, presidente? (...) Candidato, presidente, eu gostaria de citar uma frase que o senhor gostou de repetir ao longo de sua carreia política, e mesmo aqui como presidente do país. O senhor gosta de dizer que prefere e é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. Agora, por que o seu governo gasta mais em programas que dão o peixe, como o Bolsa Família, e menos, por exemplo, do que com o Fundeb- que ainda não foi aprovado, mas vai ter menos dinheiro que o Bolsa Família (GLOBO, 30/08/2006).

Nessa reportagem observa-se como o papel do apresentador é impressionar os telespectadores com frases de efeito: “... é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”. Tipos de afirmações que são efetuadas antes de indagações visando transmitir alguma valoração ao telespectador acerca do que é discutido. O jornalista faz intervenções restritivas, acabando impondo o assunto como quem impõe a problemática. Ele distribui as palavras, os sinais de importância, que no próprio discurso, na forma de se entoar e abordar o tema acaba tratando os entrevistados com uma maior ou menor restrição. Nesse caso várias restrições foram feitas antes das perguntas, o que possui o intuito de desmerecer, colocar em descrédito o entrevistado antes mesmo de serem feitas suas. O que demonstra como são dúbios os debates políticos televisivos:

Há também debates aparentemente verdadeiros, falsamente verdadeiros.(...) Ora, quando se examina o que se passou nesse debate, vê-se uma série de operações de censura. (...) O apresentador distribui os tempos de palavra, distribui o tom da palavra, respeitoso ou desdenhoso, atencioso ou impaciente (BOURDIEU, 1997, p. 43-45).

A partir dos “óculos” que os jornalistas selecionam a realidade acaba-se operando na construção de outra realidade social. É o que pode ser vislumbrado no fato em que um delegado da Polícia Federal, encarregado de trabalhar num inquérito policial que investigava a compra ilícita de um dossiê feita por membros do PT. Trabalhando sobre segredo de justiça ele passou de forma ilegal, contrariando o procedimento policial, um cd com fotos do dinheiro apreendido com os petistas para jornalistas da Rede Globo. O resultado foi este:

Apareceram, finalmente, fotos do dinheiro apreendido com dois petistas num hotel em São Paulo, que seria usado na compra de um dossiê contra políticos tucanos. (...) São 23 fotos: o dinheiro do escândalo político investigado, e agora divulgado sob todos os ângulos. São pilhas de reais e maços de dólares, o equivalente a R$ 1,7 milhão (GLOBO, 29/10/2006).

Convidando a dramatização as fotos foram divulgadas com imenso destaque no dia 29 de outubro, véspera das eleições no primeiro turno. No mesmo dia existia a notícia de um acidente de avião da empresa Gol, o mais drástico acidente aéreo relatado no país. Porém, esse acontecimento foi marginalizado pelo grande destaque dado ao dinheiro do dossiê na mídia. Quer dizer, põe-se em cena imagens em que se cria uma realidade: exagera-se sobre a importância de um fato e descaracteriza-se outro.
Assim, no ato de relatar os fatos, o telejornal acabou construindo uma realidade capaz de exercer efeitos sociais de mobilização social. O instrumento midiático, que pretende ser um mecanismo de registro dos fatos torna-se um instrumento de criação da realidade. Ele se torna o árbitro do acesso a existência social e política. No caso em discussão, a realidade criada pela Tv Globo acabou influenciando de forma significativa a opinião pública, pois com o segundo turno, a vitória do candidato Lula, dada como certa no primeiro turno, não se consolidou possivelmente em função de sua imagem ter caído em descrédito público, momento em que o Príncipe Global possivelmente tenha contribuído para “(...) um novo ciclo de uma ofensiva terrorista midiática de um monopólio brutal de direita terminou mudando alguns votos que levariam Lula a ganhar no primeiro turno” (SADER, 2/10/2006).

Considerações Finais
Detecta-se que as noticias emitidas acerca do cotidiano político nacional pelo telejornal da Globo apresentam um viés ideológico/valorativo que tende a preservar os interesses de certos grupos empresariais em relação ao poder político. Dessa forma, ao invés do senso comum formar uma opinião reflexiva acerca dos acontecimentos políticos acaba influenciado por um posicionamento gestado pela parcialidade jornalística impressa pela mídia televisiva.

Assim, o instrumento midiático não age apenas como mediador entre poderes políticos mas sim como um dispositivo de produção do próprio poder de nomeação e, no limite, também de funcionamento da própria esfera política. Sendo que no espaço público configurado por esse meio de comunicação a política tende a perder seu conteúdo próprio, e suas instituições “clássicas” acabam se submetendo a hegemonia social constituída pela mídia televisiva em geral.

A partir da percepção e análise dos intuitos e atores sociais envolvidos na mídia capta-se os mecanismos ideológicos que possibilitam a centralização do poder midiático nas mãos de pequenos grupos sociais. Fato que de modo conseqüente inibe a ampla inclusão social dos diversos setores da sociedade civil no campo da imprensa. É a partir da delimitação analítica dessa contradição que se pode fomentar um conhecimento propício a conscientização da sociedade, capaz de movê-la rumo à transformação de uma mídia para ações mais democráticas. Diante disso, nas diárias pautas jornalísticas deve-se buscar a possibilidade de inclusão social dos diversos atores e classes que compõem a sociedade.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Inácio. Lima Duarte Critica Globo e diz que Cansou de Novela. São Paulo: Jornal Folha de São Paulo, 22/03/2006.

BIAL, Pedro. Roberto Marinho. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

ENZENSBERGER, Hans Magnus. La Manipulación Industrial de las Consciencias. Barcelona: Anagrama, 1969.

CAMPELLO, M. C. S. Estado e Partidos Políticos no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1997.

DIAS, Maurício. Não Deu no Jornal da Globo. São Paulo: Revista Carta Capital, ano XIII, número 415, 18 de Outubro de 2006.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

______. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

GLOBO, Jornal da. A Posição do PFL. Disponível em Acesso em: 30 de Outubro de 2006.

______. As Propostas: Transporte. Disponível em Acesso em: 25 de Outubro de 2006.

______. Entrevista com Lula. Disponível em Acesso em: 30 de Agosto de 2006.

______. Imagem do Dinheiro. Disponível em Acesso em: 29 de Setembro de 2006.

GUARESCHI, Pedrinho A. Mídia, Educação e Cidadania. Petrópolis: Vozes, 2005.

HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Tchê, 1987.

IANNI, Octavio. Enigmas da Modernidade-Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 2ed. Rio de Janeiro: Vecchi, 1946.

MARINHO, Roberto. Julgamento da Revolução. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, 7 de Outubro de 1984.

MATTOS, Sergio. História da Televisão Brasileira. 2ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

NEPOMUCENO, Eric. E o Dr. Roberto Falou. Rio de Janeiro: Jornal o Nacional, 15 de Janeiro de 1987.

SADER, Emir. Sociólogo Brasileiro Prevê Forte Embate no Segundo Turno. Disponível em Acesso em: 2 de Outubro de 2006.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

______. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1992.

Nenhum comentário: