domingo, 17 de agosto de 2008

AS BASES SOCIAIS E POLÍTICAS DO AUTORITARISMO BRASILEIRO


AS BASES SOCIAIS E POLÍTICAS DO AUTORITARISMO BRASILEIRO

Dennis de Oliveira Santos

O cientista político Simon Schawartzman em sua obra Bases do Autoritarismo Brasileiro defende a tese de que a formação social do Estado Brasileiro é assentada num extremo centralismo político e num modo patrimonial de conduzir os espaços públicos por parte da sociedade brasileira.
A partir de uma extensa e profunda análise, a qual parte do período imperial até o século XX, o autor demonstra como a participação política da sociedade civil é bastante limitada dentro de nossas instituições governamentais, os partidos são mecanismos pragmáticos da concretização dos interesses de grupos dominantes, além dos sistemas eleitorais do país estarem sujeitos a irregularidades de todo tipo. Problemas esses de nossas instâncias públicas que devem ser resolvidas a partir de uma maior abertura a participação política, a qual consiga englobar as diversas camadas sociais da sociedade brasileira.
Especificamente, no capítulo 6 (A Democracia Representativa em Perspectiva), o pesquisador expõe sua análise acerca do sistema democrático vigente no país durante o século XX, após os anos de 1945-64, período histórico que ele considera o único da vida política nacional em que a sociedade experimentou um sistema de participação política de massas. Nesse trecho da obra, o autor discute os dois modelos políticos praticado pelos partidos políticos no país: o de participação política e o de cooptação.
Ao contrário do governo Vargas, instante em que o regime democrático era fragilizado em função da não liberdade de imprensa e da ilegalidade de determinadas agremiações partidárias, esse período usufrui de “uma maior liberdade política”, a qual era advinda dos ideais liberais-democráticos que se tornaram hegemônicos na América Latina após a Segunda Guerra Mundial. Esta experiência despertou na região por parte da sociedade civil, uma vontade de assentar suas instituições estatais em aspectos de liberdade política e sobre o tema de participação.
Terminado o Estado Novo, os homens de vida pública reuniram-se entorno do Partido Social Democrático (PSD), enquanto membros do sindicalismo e do sistema previdenciário constituíram o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Cada qual ao seu modo, essas duas agremiações partidárias foram partidos de “oposições”, partidos de governo que funcionavam combinando recursos do poder com capacidade de cooptar as lideranças locais e sindicalistas em ascendência.
A exemplo do Brasil Império, no qual os partidos políticos (Partido Liberal e Conservador) estavam mais empenhados em defender a prevalência dos privilégios sociais das elites perante o Estado do que sustentar ideais políticos, tanto o PSD quando o PTB colocavam os temas ideológicos em segunda plano. O que foi posto em pauta eram os interesses defendidos pelas lideranças, as quais se relacionavam com a distribuição de posições, facilidades e privilégios de tipo político.
Porém, havia vários tipos de oposição a este sistema hegemônico. Uma deles é a oposição liberal a Vargas, que era composto por setores urbanos de classe média, setores militares, setores operários e intelectuais. Este grupo tão diversificado em suas camadas sociais era insatisfeito com a ineficiência com o aparelho estatal, com o clientelismo político vigente pelo PSD e PTB, além de tentarem influenciar internamente uma política mais definitivamente nacionalista.
Apesar dessa abertura a uma maior diversificação de agentes sociais no quesito participação política, ambos os grupos mantinham em comum a prática da “política de cooptação”: a busca do controle de agencias governamentais como fonte de sustentação do clientelismo. Tipo de prática patrimonial efetuada tantos pelos possuidores do poder quanto pelos novos grupos que vinham se integrando no “círculo vicioso patrimonial/clientelista” da cultura política brasileira.
Portanto, a autonomia econômica e organizacional no Brasil nunca chegou a se desenvolver plenamente, mas adquiriu algumas formas embrionárias de existência na área paulista. Aspectos os quais foram tomados como forma na ideologia liberal, que rechaçava toda e qualquer forma de intervenção estatal na vida econômica ou na previdência social. Outro setor social que concretizou esses elementos foi o movimento sindical, que se preocupava com questões salariais e seu baseava numa organização mais autônoma em relação ao Ministério do Trabalho.
Assim, quando a estabilidade baseada no clientelismo dos dois partidos políticos era abalada, aumentava-se a participação, em geral através de uma ideologia de “lei e ordem” ou de um liberalismo que repudiava a interferência do Estado na economia. Ou seja, todas as eleições dessa época foram ganhas pela aliança PSD-PTB, mas a partir do ano de 1950 essa hegemonia política se rompeu. Desse contexto de ruptura, a eleição de Jânio Quadros em 1960 é a primeira e única vitória no período. Esse candidato não teve nenhum apoio partidário mas era sustentado no cenário político pelo seu forte apelo personalista frente ao eleitorado.
Essa ruptura não equivale afirmar que o sistema de representação política passou a predominar sobre o de cooptação, mas apenas uma nova polarização política. Pois o sistema de cooptação fica claro no nível de vice-presidência, onde João Goulart ganha do candidato de Jânio, que não compartilha seu apelo carismático e mobilizador. Fato que demonstra que o sistema de alianças, como o efetuado pelo PSD-PTB, tem como efeito descaracterizar o sistema partidário ao atender a interesses privatistas e de circunstâncias locais.
Em síntese, pode-se afirmar que são identificáveis duas linhas principais de polarização do sistema político-partidário brasileiro a partir de 1945. Uma delas se baseia na cooptação, que visa atender aos contornos regionais. E oposto a essa tendência, a representação política, a qual se manifestava na integração de novos grupos sociais no cenário político. Tal polarização perde sua força quando o sistema de cooptação entra em crise exatamente quando os níveis de educação, urbanização e industrialização do país começam a aumentar.
Na medida em que crescia a participação social em várias esferas da atividade, também ganhava corpo à falta de interesse pelo sistema político partidário, o que se expressa no aumento progressivo dos votos nulos durante as eleições. Essa crise do sistema demonstra que o sistema partidário nacional é incapaz de apreender os processos de transformação em curso pelo desenvolvimento social.
Enfim, na medida em que existem dois pólos principais de organização social (cooptação x representação), percebe-se a contradição estrutural do sistema estatal. Diante disso, o Estado Brasileiro tem sido o aparelho de onde emana o clientelismo político e a ineficácia, mas também tem concretizado alguns objetivos de modernização. Assim, a problematização e enfoque nesse problema possibilitam desenvolver uma visão na qual se combata a burocracia patrimonial e transforme o Estado em um agente efetivo e responsável de interesses sociais amplos.
Nesse sentido, desburocratizar, tornar menos autoritária e clientelista a ação do Estado, diminuir os interesses privatistas na coisa pública devem ser os fatores sociais efetuados pelos atores políticos em busca da superação de nossos estruturais e históricos problemas da máquina pública brasileira.


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