domingo, 17 de agosto de 2008

O Tempo dos Pioneiros: Os Pesquisadores Eruditos e a Atividade Científica do Século XIX


O Tempo dos Pioneiros: Os Pesquisadores Eruditos e a Atividade Científica do Século XIX

Dennis de Oliveira Santos

A atividade científica do século XIX foi tipicamente oriunda do emergente contexto político no qual as conquistas coloniais das metrópoles européias configuram a antropologia moderna: momento em que o pesquisador acompanha os colonos. A África, Índia e os países da Oceania (focos da colonização européia) constituem os locais de reflexões das primeiras grandes obras de antropologia.
Os nativos destas regiões são descritos como primitivos, o ancestral dos civilizados, instante em que os antropólogos têm como objetivo o estabelecimento de um corpus etnográfico da humanidade. Gerando daí a Antropologia Evolucionista, que afirma que existe uma espécie humana idêntica, mas que se desenvolve em ritmos desiguais; no qual todos os povos passarão pelos mesmos estágios para ao final alcançarem o “nível” da “civilização” que caracterizavam os países europeus.
Podemos citar três preocupações centrais dessas investigações antropológicas: a descrição das populações mais “arcaicas” do mundo (aborígenes australianos), o estudo do parentesco para legitimar a anterioridade histórica dos locais estudados e o estudo das religiões que deterá uma visão de que essas crenças representariam uma fase anterior da história da humanidade (que logo evoluiria da fase religiosa para a científica).
Deve-se observar as constantes críticas ao pensamento evolucionista dessa época, a primeira é o erro dos antropólogos em apontar erroneamente o “atraso” das sociedades analisadas, considerando o desenvolvimento tecnológico da sociedade ocidental como prova da evolução histórica da humanidade. As sociedades fora do eixo ocidental estariam num estágio anterior e menos desenvolvido em relação aos países europeus.
A segunda crítica é feita em relação à ação do pesquisador. Pois este quando define de um lado o seu objeto de pesquisa (sociedades não-ocidentais) em contrapartida as supostas “vantagens” do mundo ocidental, a antropologia evolucionista vai além do âmbito científico, tornando-se erroneamente e ideologicamente um instrumento de justificação teórica para o colonialismo.
A convicção da marcha triunfante do progresso por parte dessa corrente antropológica era tanta que se julgava possível extrair leis universais do desenvolvimento da sociedade. Porém estes estudos tendem mais a defender o processo de estágios evolutivos dentre as sociedades do que realmente descrever etnograficamente essas sociedades assim como elas são. Daí resultando o etnocentrismo que os pesquisadores tinham em relação aos povos extra-europeus, na tentativa de compreender todas as culturas humanas num quadro evolutivo, originando determinadas antinomias. Apesar dessas limitações, deve-se ser dado o mérito aos pesquisadores dessa época; que com suas intensas atividades, desenvolveram a autonomia da ciência antropológica.
Além disso, podemos tecer alguns comentários que enriqueçam ainda mais o entendimento da trajetória antropológica no século XIX. Crítica que terá como pressuposto as antinomias provindas da antropologia evolucionista como a questão do “atraso” das sociedades não-ocidentais e a justificação teórica do colonialismo.
Para Tylor, o animismo é a primeira etapa do pensamento religioso, que posteriormente se desenvolveria pelo politeísmo até chegar ao monoteísmo. Esta simplicidade evolutiva é facilmente abalada quanto á sua consistência ao percebermos que todas as religiões não tiveram o seu desenvolvimento de acordo com os estágios propostos por esse pesquisador: como explicar, por exemplo, a atual existência do hinduísmo com seus múltiplos deuses? Sem contar que existem comunidades “arcaicas” que possuem suas crenças sem que tenha havido a fase do animismo.
Já Lewis Morgan, delimitou os três estágios da história da humanidade: selvageria, barbárie e civilização; momento onde a sociedade evoluiria de um grau mais baixo para o elevado. Se é assim, como explicar a atual forço religiosa (fase inferior), que agrega inúmeros fiéis no mundo moderno? Como explicar o notável interesse da “civilizada e racional” sociedade por livros de conteúdo religioso/místico (fase inferior), no qual esotéricos autores como Zibia Gaspareto e Paulo Coelho são fenômenos de sucessos mundiais?
Por último podemos citar o antropólogo Lubbock, o qual dizia que os “primitivos” possuíam um espírito como o da criança, que se cansavam facilmente e se livravam do trabalho de pensar. Por conseqüência diz que “o espírito do selvagem parece então que vacila por pura debilidade, e responde mentiras e absurdos” (Kuper, 2002). Posição extremada que etnocentricamente preludía a inferioridade moral das “culturas selvagens”, justificando teoricamente a “necessidade racional e moral” da interferência cultural por parte dos “grandes homens civilizados” (colonialismo europeu) dentro dessas culturas “bárbaras e inferiores”. Como medir a superioridade de nossa cultura ocidental, se enquanto os esquimós (selvagens) dão lições humanísticas ao acolherem pacificamente em suas terras um estranho á sua cultura, enquanto nós (civilizados), com toda a nossa ciência, desenvolvemos terríveis bombas atômicas para a nossa auto-destruição, que dizimam cidade como Yroshima e Nagazaki?
Por fim, a antropologia evolucionista se constitui historicamente como uma “espada de dois gumes”, apresentando à antropologia contemporânea, pontos positivos e negativos. Ao mesmo tempo que essa tendência constitui a antropologia enquanto ciência autônoma, estudando todas as dimensões humanas, as organizações sociais e etc, ela também é amplamente questionável e descartável quanto o seu desenvolvimento teórico, que numa oposição binária entre civilizado e bárbaro desenvolveu uma ciência pobre. Idéias que são inescrupulosamente aplicadas, baseadas nas diversas doutrinas coloniais européias, a antropologia dessa época cai em grandes contradições de fundo etnocêntrico.

BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

AQUINO, Rubim Santos Leão de. História das Sociedades. 32 ed. Rio de Janeiro: Livro Técnico, 1995.

BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. São Paulo: Atlas, 2002.

LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasiliense, 1967.

MAINE, Henry. Ancient Law. Londres: Murray, 1961.

MARCONI, Marina de Andrade. Antropologia: uma introdução. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1992.

MORGAN, Lewis H. – La Societé Archaique. Paris, ed. Anthropus, 1971.

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